Saturday, March 29, 2008

.Eu

Vou aprender a dizer não
Vou aprender a beber água de chuva
Vou aprender a fugir quando precisarem de mim
Vou aprender a olhar pra trás (e cuspir naquilo que eu ver)
Vou aprender a rir de você (e nas horas mais inapropriadas)
Vou aprender a me esconder por trás do que eu deixar de dizer
Vou aprender a correr com desespero rumo a cada coisa que eu odiar
Vou aprender a ser falso e vil, e a usar o próximo em meu proveito, e a saber trair
Vou aprender apertar a vida contra o peito com tanta força que vai ela sufocar, praguejar e morrer
Vou aprender a desconfiar de quem eu amo até chegar a hora que deixarei de amar qualquer coisa que respire
Vou aprender a escorrer a minha saliva e sangue em cima da ferida dos outros (e depois jogá-las na cara dessas pessoas)
Vou aprender a fingir que sei que estou errado quando eu 'realmente estiver' (sem ter idéia de que eu possa estar de verdade)
Eu juro.

Wednesday, March 26, 2008

Sobre maçãs

Que nome mesmo você dá à inspiração, transcendência,
dedicação, rendenção... e essas coisas?
Você nem ao menos consegue tocá-la sem pensar em si mesmo.

Sunday, March 16, 2008

11º Dia

Agachei-me mais ou menos na direção dos trilhos para pegar uma meia-meia dúzia de pequenas pedras e jogá-las contra o lago, absurdamente quieto, e enfim testar se o resto do mundo estava inanimado ou se, por acaso, assim ele reagiria de alguma forma, pois já havia horas que eu estava deitado contra os trilhos, inclusive já havia dormido, acordado, tido pesadelos, e algumas dessas coisas aconteciam ao mesmo tempo e eu cantava canções para mim mesmo e tentava fazer o tempo ou coisa que o valesse passar, só que nada acontecia, até o ar parecia estático e, assim, foi quando eu saí dali um pouco, e fui mirar as pedras contra o lago e, parece, que haviam mais montanhas do que eu supunha, e elas eram mais altas do que qualquer montanha que eu jamais tenha visto antes, e a base delas parecia ser constituída de rochas amareladas, e o seu topo era levemente arroxeado, e, no céu, havia alguns trechos onde as cores se misturavam como quando chocolate quente começa a se misturar ao café, e as cores são distinguíveis entre si através de finas linhas distintas, que se entrelaçam em forma de espirais, ondas, etc, e, lembro-me agora, as nuvens eram verdes e púrpuras, e o lago era cinza, cinza escuro, e ela estava caminhando na superfície dele, aproximadamente no meio, e eu andei com calma pela praia em sua direção, mais surpreso por encontrá-la ali do que por vê-la naquelas condições, e deixei a água me tocar até os joelhos, e ela então parou, e, é importante dizer, olhando para baixo, com as mãos cruzadas para trás, na beira de sua coluna, e estava de lado, de acordo com o ângulo em que eu me encontrava, mas era fácil reconhecer seu perfil, com o qual já estava tão familiarizado, e, enfim, eu voltei a fitá-la, e ela estava lá, olhando para algo dentro da água, e, também, acabo de me recordar que mesmo vestindo meias, os pés dela que tocavam a água estavam bem secos, e, aliás, a superfície do lago não esboçava nenhum movimento, mesmo quando eu havia entrado em sua parte rasa, e, eu tentei socá-lo, chutá-lo, e nada era dado como resposta, nenhuma reação, e, nessa hora, notei que nada era refletido na sua superfície, nem eu, nem o céu, só havia o cinza, cinza escuro, e eu gritei com muita força, voltando-me uma vez mais para a direção dela, tentando fazer com que ela voltasse a se mover, como há então há pouco, e cantei o refrão de uma canção que amávamos, e xinguei ela de nomes que sei que ela odiava, mas ela continuava parada, e eu tentei adentrar-me no lago, e caminhar até a direção dela, e a água estava, até então, apenas batendo no meu joelho, quando meu próximo passo pareceu ser em falso, e senti estar sobre um abismo, e eu caí por um tempo que me é impossível tangir agora, e como tudo ao meu redor, e tive a sensação de que a única coisa que não parecia inerte em todo o universo, naquele instante, era o meu corpo a cair, só que eu, finalmente, depois, recobrei um pouco de força que eu devia ter guardado, ou que eu, momentaneamente, esquecera que possuía, e, com umas dez braçadas, atingi a superfície novamente, e saí do alcance do lago com desespero e pressa, e quando eu pude recobrar plenamente os sentidos e respirar novamente, levantei a cabeça e vi que ela ainda estava lá, na mesma posição, a fitar o fundo da água, e foi aqui que eu joguei a única pedra que ainda tinha em mãos em direção a ela, talvez em uma última tentativa desesperada, e eu tinha certeza que tinha mirado na direção correta, porém o projétil fez uma curva estranha no ar, em piruetas assimétricas, pequenos movimentos em forma circular, como se uma força superior me estivesse me impedindo daquele ato, e foi para uma direção totalmente oposta da qual eu tinha o jogado, passando por cima da minha cabeça e voltando à altura dos trilhos, e, então, o céu multicolorido de outrora se tornou negro, e trouxe nuvens, na verdade, talvez fosse uma única nuvem, enorme, colossal, que ocupava ele por completo, ou pelo menos até onde os meus olhos podiam atingir, e uma chuva fina começou a cair, e ela era estranha, pois tinha gosto de mel, e era fria, e ela se tornou intensa, e se tornou em tempestade, e só aí a superfície do lago demonstrou ainda conter vida por meio de intensas borbulhas, e um barulho forte começou a soar por trás de mim, e eu vi que uma locomotiva estava passando, com todas as suas luzes acesas, e um apito estrondoso cortou meus ouvidos, e por uns instantes nem a mim mesmo eu podia ouvir, e mais alguns segundos depois, quando a locomotiva parou, pouco a frente de onde eu estava no início, e eu voltei a olhar para o lago, e vi que ela não estava mais lá, e eu corri, sem pensar, para ver o que havia ocorrido, onde ela estava, e percebi que dessa vez eu podia andar sobre a superfície da água, como ela estava fazendo, e notei, ao chegar mais ou menos no ponto onde ela estava antes, que somente aquela parte da água podia refletir algo, e foi aí que, depois de um longo período de tempo, eu pude ver a minha face novamente, e quando isso aconteceu, eu parei, e me olhei-me, e me olhei, como jamais havia feito antes, como se o meu rosto tivesse mudado radicalmente desde a última vez que eu o vira, ainda que racionalmente eu sabia que pouco havia mudado, e, então, tive a sensação de que a locomotiva tinha voltado a pitar, ameaçando ir embora, e de que meteoros começavam a cair por todo o lugar, destruindo superficialmente o solo e fazendo a terra tremer, e de que um enxame de milhões de abelhas tinha surgido não sei de onde, já que não havia florestas lá, e de que o céu tinha se tornado um vermelho só, e de que o lugar começara a ficar terrivelmente quente, e também estava sentindo que tudo parecia estar de alguma forma acabando, e eu acho que ouvi gritos distantes, e outros sons que não sabia distinguir, mas eu não conseguia mais me mexer, eu estava parado, e parado eu só conseguia olhar para o meu próprio rosto, e não porque era belo, e não porque me trazia paz, mas porque... porque eu não sei.