Wednesday, December 26, 2007

Cof

Claro que há poesia
daqui de cima é difícil de ver algo
mas claro que há!
eu mesmo vi umas balanceando rimas sobre despeito e ódio
sentadas na calçada que dava de frente pra padaria que abriram semana passada
e isso foi ontem

Pare de levantar essa sobrancelha
você dá descrédito a tudo que digo!
veja, eu vi o soneto, isso, o mesmo de quem te falei outro dia
comprando café, cuspindo, e depois derramando dois litros de vodka garganta a dentro
e entrando em coma alcoólico e sendo levado de maca àquela clínica
acho que nunca mais saiu de lá, mas a questão é exatamente o fato dele estar vivo
e completamente no controle do que chama de vida

O quê?
que vida? como assim que vida, a vida, você sabe...
a vida, que fazemos e vivemos, e o tempo
que algemamos bem no pescoço e cuspimos à cara

Dedique seu papo de que só fazemos o que fazem de nós à outra pessoa, cara
Ninguém está enganando ninguém! é poesia! a vida é isso!
vivo loucamente, e o desejo e o prazer que carrego
são minhas únicas bandeiras
e...

O que é isso molhado em meu rosto?

Monday, December 10, 2007

Ode a Saudade

"é sobre isso que falo
sou aquilo que sobrou de você dentro de mim
e sinto falta do que está aqui
do que desabafa traçando a mão
contraaboca
des, abafa, des, aprende
des, constrói em pingos
muitos, muitos pingos
monumentos inteiros de gelo
q'eu mesmo derreto ao tocar
e
ao
nem
parar
de
secar
cansado, remenda dois cacos e meio
eu derrubei sem querer
desculpe
prometo que isso jamais se re, re
remendando dois cacos ao meio
assim que se faz a saudade
ou costumava fazer
seja como for, queria aprender a sentir falta
do que se foi
do que está distante
distantedemaisassim
mas se não se foi, e se está aqui
bem aqui
aqui, assim, ó
e, se pelos pesares plenos e definidos, continuo
definitivamente devo dizer
que não sei o que querer
mais
só sou aquilo que sobrou de você dentro de mim."

Friday, November 30, 2007


enquanto isso, do lado esquerdo do peito, um bilhete borrado de sei-lá-o-quê dizia: 'aqui jaz um coração'. pouco depois, ao lado, havia um pedaço de guardanapo com gordura e um pós-escrito: 'perder você para a sorte foi meu último passo em falso.'

Wednesday, November 28, 2007

4e2

Era para ser só poro com anis
Dois soluços em um arpejo
Lábio no veneno dedo em foice
Arrepio e convulsão ao tato
Apetece sacia quando hora propícia
Que sejam 15 minutos
Suor duo funde queima
Cospe fumaça em carbono
Bufa arqueja sopra
Guturalmente esgüela
Elaelaelaelaelaela
filho amo puta
te caralho de
O peito pingando
Que sejam 6 minutos e um terço
Vai breu e vem luz
Deixa o cansaço em dia
Pra esquecer que dia

...

Cicatriza selando rompendo
Orloff Lambrusco Heineken
Enxarca pele quase toca
Que sejam 15 segundos e meio
Faz madrugada assim
Quatroquatroquatro números divinos
E dois
Finge se vestir
Cai pela janela
Entra pela portinhola
Se escondem de lençol
Inundam seus corpos de maremotos
E suas almas de silêncio

.

Friday, November 23, 2007


"...queria eu que aquela paz não fizesse esquina com este desespero"

Saturday, November 17, 2007

Azul lá longe

"Realmente me importa saber o que tanto você rabisca aí, nesse canto, esfolando esse papel azul machê,” disparou R., tentando mostrar segurança e incisão em suas palavras. Havia dito em vão, contudo, afinal T. mostrava total desatenção acerca de qualquer coisa que não fosse o citado papel azul. Machê. E arranhava um traço, dois traços, dando a impressão de ser apenas ela um gato revoltado tentando se defender de alguma ameaça. A ameaça, no caso, o papel, que faça-se a verdade, era rabiscado forçada e impetuosamente, a ponto de ser quase atravessado pela ponta de seja-lá-o-quê estava sendo usado para pungir-lhe à tinta.

Pingos azuis e verdes manchavam a mesa quando por instantes T. levantava a folha de papel para observá-la contra luz. De tão rápida e praticamente instintiva forma o movimento se fazia, que visualizar com exatidão do que se tratavam os traços se tornava tarefa impossível. Porém, à uma hora da manhã, cansaço começava a imprimir suas cores na face de T. Faria em pouco tempo cerca de 8 horas que começara o misterioso “ritual”, como R. mesmo afirmava em voz alta. Na verdade... Dentro da sua cabeça. E franzindo a testa ao tentar passar gravidade nesse gesto, esquecendo-se de que nada havia dito em voz alta, e que ela não virava a cabeça para outra posição do cômodo da sala à não ser a direção do papel, no meio da mesa, até então. O seu estado parecia um constante transe que se movia vagarosamente assim como fazem nuvens em formas de elefante ou cegonhas, riscando o céu afora.

R. chegara do trabalho no horário de sempre neste dia. T. parecia ter chegado do seu serviço mais cedo do que de costume, visto que no determinado horário da chegada dele, ela estaria ainda trabalhando. Talvez sequer tivesse saído de casa, reconsideraria ele posteriormente. Quando chegou encontrou-a fitando o papel com a mesma intensidade de agora. Somente pôde supor que começara o ato naquele instante, ou dentro de poucos minutos anteriores a este, após notar dentro de um certo tempo que a pilha de papel amassado jogado sob a mesa, em um canto afastado contra a parede, crescia com certa regularidade e constância, e que quando chegara, apenas havia dois pedaços rasgados em simetria quase perfeita, provavelmente o primeiro rascunho rabiscado e abandonado.

A impressão que a situação marcara em R., e esta seria um outro ponto das coisas que ele depois refletiria, mais frio e impassível, passava a idéia de uma T. correndo contra o tempo, à passos largos, contudo, com saltos de joaninhas. Havia pressa fugaz e desespero em cada traço, sim, mas havia calma evidente onde deveria haver insatisfação e inquietude quando um esboço se mostrava aquém das expectativas, e que era amassado, rasgado e jogado à pilha, junto dos outros pedaços passados. Os traços, curiosamente, difusos e aparentemente aleatórios a princípio, representavam certa ordem lógica após os recomeços dados a cada novo pedaço de papel azul machê pego na pilha, envolta em um embalagem de azul mais escuro, postado ao lado dela. E havia outra questão intrigante na situação, deixando R. realmente apreensivo: a face de T. Ela parecia constantemente virada pra dentro, de uma forma que em momentos passados de sua vida ele jamais poderia imaginar ou visualizar através de quaisquer descrições. Somente ali, ao vivo, isso faria sentido. Que os gestos encenados involuntariamente pela boca, pálpebras, narina e, bem mais discretamente, orelhas, pareciam acenar para um eu lírico invisível, que ele apenas conseguia, ou se atrevia imaginar, ser um espelho abstrato. O espelho abstrato das palavras. Ou das palavras que estão no embrião de formação na mente, que nem chegam a ser palavras de fato, que tem seus sentidos ainda intangíveis pela razão, cheias de figuras oníricas ininteligíveis a compreensão dos demais. Ela parecia observar cautelosamente os traços e os gestos do seu rosto, e isso descrever. Descrever através daquilo que ela rabiscava no papel. Fosse o que fosse. Caía como chocolate quente sob ambos a escuridão da noite.

Além, T. parecia evitar, ignorar suas necessidades físicas. Durante o tempo transcorrido, R. observou que ela ainda não se levantara para ir ao toalete ou para se dirigir a cozinha pegar algo para comer. Assim, ele tomou a iniciativa de extender um prato cheio de frutas cortadas próximo a ela -e foi isso o mais perto que ele chegou dela até aquele instante-. Esperou reações físicas à fatores diferentes ao conteúdo de sua tarefa, sentou-se em um sofá o canto extremo oposto da sala, e voltou a observá-la atentamente. Após um período de horas, notando que pequenos insetos já demonstravam maior interesse em fazer moradia por entre as maçãs e as pêras do que ela em comê-las, retirou o prato, evitando chegar mais perto do que antes, esticando o braço o máximo que podia. Já não tinha esperanças de ouvir sinais de protestos, e assim foi. O silêncio deslizava como a tardinha depois do almoço. Às 3 da manhã, R. apenas continuava a observá-la em sua distância calmamente porque o dia seguinte seria feriado, sem haver risco para qualquer um dos dois de perder horas de sono ou se atrasar para o emprego.

Novamente, R. roía os dentes uns contra os outros quando disse, e dessa vez efetivamente, em voz alta: “Também gostaria de saber até quando você ficará aí. Até quando ficaremos assim?”. Foi a segunda vez que se comunicara verbalmente com ela dentro de um período de 12 horas. E sequer atrevia-se a se levantar, sair do lugar, fazer algo, ou pronunciar outra palavra além daquelas. Parecia que o esforço extremo e derradeiro do seu corpo havia sido dado, e que agora já força alguma restava dentro dele. O último suspiro. Sem açúcar. Em momento nenhum, também, se atreveu a tentar olhar por cima dos ombros dela, ou aproximar-se discretamente por suas costas, evitando fazer barulho, para saciar a dúvida que apetecia-lhe o peito. O que tanto ela rabiscava no papel. O que tanto...

A questão? Ele sabia. A resposta. Chamava de dúvida o que na verdade tinha fobia de formar em sua mente. É. Isso aí. A certeza.

Friday, November 16, 2007

e

u não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso, não posso pensar, não devo pensar, não é recomendável pensar, não queria pensar, posso não pensar, finjo não pensar, não penso

Tuesday, October 30, 2007

então

sim
sim
sim
sim
sim
não
SIM















e sim e sim e sim

Thursday, October 25, 2007

3am

Alô!
É, boa noite!
E chega!
Já tive saudade de tudo em monte!
Exatamente!
Eu sei que você sabe o que eu quero dizer!
Não é preciso gritar!
Sem figuras de linguagem, por favor!
Vai continuar transpirando forte assim!?
Pare de gritar!
Já terminou de falar?
Deixa que agora é a minha vez!
Fim!
Já senti falta, o bastante por uma existência inteira!
Chegadebilhetesrabiscadosemfolhaarrancadasdoblocode...

...notasjogadas...dequalquerjeitoemcimada...

...

...mesaoucolocadascomfita-crepeoudurexnãomeioda...

...teladatelevisãodasaladeestar!!!

Au revoir...
Pare de gritar...
Só eu posso gritar aqui. E é isso...
Se quiser, eu desenho...
Para de fazer essa cara que eu sei que você está fazendo...
Ok...
Devolveria algumas coisas que já não as tivesse queimado...
Já disse quase o que eu queria...
Pode desligar.

Wednesday, October 03, 2007

Ela está chovendo lá fora
Ela me tolhe com os trechos mais frios da manhã
Ela corre até qualquer direção, me cai sob o colo, e me vê esguia
Ela salta e faz, 'foi susto', 'não quero', escala esse muro de cimento áspero e desfaz suas unhas
Ela deixa um fiapo estreito de janela aberto para o sol e a garoa entrarem
Ela dorme com a porta trancada à 10 cadeados
Ela não faz sentido, mas faz outras coisas
Ela anoitece sem querer
Ela amanhece quando quer
Ela estava bem aqui, bem pouco, mas estava
Ela queria dizer, eu não
Ela chove lá fora tantos dilúvios que nada vai ficar submerso
Ela colhe de mim as gotas frias de sereno que ficam espalhadas pela sacada
Ela chove o último dilúvio lá dentro e eu não sei nadar
Não que fizesse diferença
Ela queria dizer 'eu não'
Ela chove em mim as gotas de chuva que não caem em mim
E ela sabe, e ela sabe, e ela sabe que isso me enferruja
Ela sabe que vou me afogar
Ela sabe que vou ficar repetindo isso aqui fora ou lá dentro
Ela sabe que essa foi e será a última vez
Ela chove por toda parte enquanto minha arca está furada
Eu não quero ir a lugar
Ela escorrerá quando eu abrir a porta e disser
Nem eu, nem ela dirá, ou irá ou diremos e iremos ambos?
Eu não faço sentido nem outras coisas nada
E ela vai chover como sempre choveu pra sempre.

Tuesday, September 25, 2007

Ode Aos Poetas

é, tá na hora, pega essa sua metalinguagem e enfia
uhum, pois é, enfia, pois pouco me lixo se você é poeta
se sente a dor do mundo, se respira o ar que as flores
mortas do campo trouxe... foda-se
não vou estar aqui pra cheirar o seu corpo putrefar
pelo triste vento caído do outono em cinzas
e não vou fitar o firmamento com palavras de conforto
de sentimento, de paixão e saudade, pelo amor que se foi
e não volta, a não ser nos seus sonhos, a não ser nas gravações da
secretária...

óooooooooo vida cruel...
eu cuspo o sangue
o sangue que escorre da lingua que eu mesmo mastiguei

ahhhhhhhhh...
é, mesmo, e isso aqui também não é um poema.

Friday, September 21, 2007

três pontos


meio que tudo isso é sempre agora uma maneira de então esquecer de mim para esquecer você, e, enfim, esquecer de novo de vez de mim (pra não me esquecer que esqueci você)

Thursday, September 20, 2007

Vinícola

- É que algumas pessoas, simplesmente nasceram para catar esses farelos melecados de saliva do chão, sabe?
-Mas isso era sobre o quê?
-Pessoas...
-Hierarquias sociais? Quem ascende, vence na vida, vai ao paraíso, ou quem "dá mole", se afunda e cai em ruína, se afogando...
-No próprio vômito? Hahaha...
-É, é sobre isso?
-Não, viajou hein? Mas agora nem sei porque falei isso... Sabe...
-Pense...
-Err... Ah, sim. Não foi nesse sentido, acho, que metaforizei esse...
-Esse...?
-Era sobre a solidão que eu falava. A Solidão humana. Estúpida e humana. Essa necessidade imbecil de se precisar estar com alguém.
-E aí. Por que estúpida?
-Porque seria... seria muito mais simples se fossemos auto-sustentáveis.
-Bem estilinho países europeus de primeiro mundo? Ou os EUA?
-É! Exatamente. Depender só de si mesmo para se sustentar, ou no caso, ser feliz.
-Você está parecendo petista elogiando a Petrobrás.
-Hahaha...
-Mas você sabe que isso não passa de teoria. Discurso de auto-afirmação ou papinho pré-eleitoral pra angariar votos. Claro, eu digo das duas coisas.
-É, eu sei...
-Então...
-Você sabe que eu só estava ensaiando uma tentativa de enganar a mim mesma, certo?
-Sim, claro. E você sabe que eu esperava que você admitisse isso...
-Hum...
-Pois isso tudo é só balela, papo peneira, veja, ninguém é isolado, auto-sustentável. Nem pessoas nem países. Veja Cuba...
-Lá vamos nós para a aula de Ciências Políticas... Ou de auto-ajuda, .
-Hahaha, desculpe, isso é chato pra cacete, eu sei.
-Até que não, he... Digo, a aula de ciências, claro.
-Sim...
-Sei que tanto ninguém pode estar só, quanto um país, e esse seu blablablá todo aí.
-Sim, exatamente. Já diria aquele cara que eu esqueci o nome.. Nenhum homem... err...
-É uma ilha?
-Isso!
-Mas não falávamos de solidão?
-Sim, e as pessoas se apegam facilmente a outras pessoas ou coisas que podem nem valer tanto a pena.
-E quem julga o que vale ou não a pena?
-Sei lá
-Talvez.
-É...?
-Vai continuar tentando falar dificile-metaforicamente pra me impressionar, ou enrolar, sei lá.. ou vai ser direta?
-O quê? Como? O que você quer dizer com isso?
-Eu que pergunto que você quer com essa ladainha toda.
-...
-Está com dúvida de algo e está jogando pedras ao vento, tentando acertar fantasmas no olho.


.. Certo?
-Mais metáforas?
-Anda. fala.
-É.
-Então digas do que duvidas, jovem pensadora. Que questão que indagas que te afliges?
-Pára.
-Ok, parei.
-Olha pra isso. Isso. Isso. Eu nem sei.. Nem, sei, nem sei, nem sei, nem sei como você é de fato que você quer fato, o que, o que realmente te importa de fato.
-De fato.
-Ha...
-Continue, please.
-Tsc... Veja bem. Nos conhecemos há 5 dias apenas...
-5 dias? Já vai fazer um ano!
-Conhecer nesse outro sentido. Esse aqui, de agora a pouco. E aquele, de ontem de noite.
-Hum... Isso é.
-Faz nem uma semana direito que começamos mesmo, com isso, e já...
-E já aconteceu.





- ...É
-E aí.
-E aí que não é assim que funciona comigo. Ou costumava funcionar até ontem. Eu nunca...
-Nunca ficou com um farelo melecado do chão, ... Isso que você queria dizer.
-Não! Não era isso...
-Então o quê?
-Sei lá... Desisto.
-Tente de novo.
-Não. E tire esse lençol de cima de mim, ele já esta me pinicando. Não roce seu pé tanto assim no meu também... Anda, tira.
-Fique calma...
-Já estou.
-Ok.
-...




-Assim está bom?
-Tá. Está muito quente aqui dentro para nos entrincheirarmos, em tantos panos sujos e suados...
-E melecados. E conspurcados. E ai, poeta, tem certeza que está calma?
-Sem sarcasmos. Sim, tenho.
-Então veja... você se julga solitária?
-Por quê?
-Porque acho que é isso que te aflige.
-A solidão?
-Também.
-Mais o quê?
-Julgar excessivamente e o tempo todo o que você sente... bem, isso é um outro aspecto a ser debatido e analisado...
-Ah...
-Você duvida se está realmente apaixonada por mm, e provavelmente você sempre tem essa dúvida, se está a gostar de verdade da pessoa em questão, pelo o que ela realmente é, ou se é só uma tentativa de fugir de si mesma, dessa sua carência...
-Lá falou o analista... não sabia que tinha cadeira de psicologia em Economia.
-É ou não é assim?



-Pois...
-Pois...
-Pois você está completamente errado. Essa sua mania de ser pseudo-analista te dá ideias precipitadas na cabeça. Um saquinho de equívocos, isso que você é.
-Se você diz...
-Você está errado.
-Então o que é?
-Isso não importa mais, eu já tinha dito que não queria mais falar nada... vamos voltar a debater economia, e pára de ficar metendo o pentelho onde não é...
-Ok. Vou abrir a janela. Tá, tá. O sol tá alto. Deve ser mais de 10...
-Quase, são 9 e meia.
-Uhum.
-Você viu que os analistas estão esperando pra hoje o resultado da reunião da Federal Reserve?
-Do FED?
-É, claro, ...
-Sempre me enrolo com essas siglas...
-E olha que era pra você saber, e não eu...
-Sim... eles estão otimistas com a reunião de hoje. E...
-Pare. Continue aí, nessa janela.
-Pra quê? -
-Fique aí. Nessa posição
-...
-Fique ai até o sol se pôr.
-Mas vai demorar mais de... oito horas pra ele se pôr!
-Eu sei.
-...E hoje é dia de semana.
-É, eu sei.
-...
-...
-...Ok. Até o sol se pôr.
-Apenas respire. Se quiser sente-se na beira da janela.. Eu deixo.
-Ok... haha...




-...
-...
-Sim, era isso. Agora já está na hora.
-Não está mais brava nem fria?
-Acho que acertei um fantasma no olho.
-Que bom...
-...
-...
-E acho que não era um farelo apenas, hein... mas um rocombole inteiro...
-Haha...jura?
-Sim...
-...
-Mas só acho... não sei de nada. O sol vai se por, já, ?
-Sim... quer dizer, acho que não.
-Eu adianto o relógio aqui, e ele já se põe. Assim, a noite vai estar apenas começando...
-Você muda da água pro vinho... do nada. E o tempo todo.
-Eu sei.
-E agora você é o quê? Qual dos dois?
-Vinho.

Friday, August 31, 2007

18 de outubro, 20XX

tá, eu te sorrio, e já é meia noite
se enrole nesse cobertor
e beba esse café num gole só
cuidado com esse sereno
e abaixe a cabeça quando
passarmos por aquela ponte
o sol não vai nascer tão cedo
talvez nem depois das 10 da manhã
e já saiba de antemão
que aqui não há sonhos nem esboços dos mesmos
e que seus pais e os meus pais
e os pais de qualquer que conhecemos
já estão bem, bem longe
é, eu sei que você sabe
faz uma semana que tudo se foi
(de fato explodiram cidades, casas
com pessoas de verdade dentro)
quando isso tudo vai acabar?
sei lá
só sei que não devemos mais estar
aqui
só sei que alguma coisa tem de 'não'
desintegrar, ainda que tudo
o que conhecemos esteja a fazê-lo.

Depois de 20...

o que há de entrar, depois que todas
as portas e janelas (da casa)
estiverem escancaradas?

que há de surpreender, depois que estiverem todos
os cômodos tingidos de rosa,
os quadros entortados a 75º graus do primeiro quadrante,
os espelhos embaçados (com palavras obscenas escritas
a dedo que ninguém há de apagar)

que que há de se descobrir
depois que cada móvel já atender pelo nome
(e que a poeira deles nem mais atacar a
sua maldita alergia)

que há de se fazer quando as manchas de
infiltração do teto não serem novidade e quando os pedaços
de pizza do fogão serem apenas pedaços de pizza
sobre o fogão e nem um esporro a mais

que há de se recordar quando
o resto da vida inteira estiver fotografado e preso no
rolo do 'filme' da câmera fotográfica analógica
guardado no fundo da gaveta de cuecas?

solução seria um milagre fazer surgir um porão
mágico com paredes cobertas de biscoitos recheados
diéticos, até então indesbravado
bem debaixo do tapete do hall da sala?

Sunday, August 19, 2007

(De preto)

Nem era isso que eu queria dizer
.Que você está bem ali
..Que entre a porta entreaberta da sala
...tropeçando no frio, berrando aquela dor
....que se desfiando, e se escorrendo
.....se retocando e recortando
......sem muita noção do que realmente
.......vaza pela sua pele, pelo pêlo, pela boca
........pelos cílios, pelos poros, pelos rombos sujos de 'graxa'
.........(talvez fosse mesmo um pouco de graxa e só um pouco de pó de arroz por cima)
..........você tinge o chão que pisa, e você tinge
...........todo "o parêntesis" que beija, e você tinge o céu pelo qual se encanta (só as vezes)
............e você tinge as palavras que sempre quis tingir

de preto

Sunday, July 22, 2007

Dos Passos

Dos dias contados, é, já tinha certeza

Da inacessibilidade dos fatos estava ciente

Da carta, cuja rubrica torta e borrada reconheceria de cara
Tinha receio

Do que ficaria pálido e amarelo, como carne morta,
decompondo-se entre os dentes que então apodreceriam...
Sim, já estava à espera...

e

Da porta batendo, socando meu tímpano, tingindo o suor,
a lágrima, o nanquim do céu estrelado que eu traçara naquela... dia
Acostumei-me

Da voz, que sempre repetia mantras, ah, que dentre certos e errados
Quase certezas de salvações eternas, chamas gloriosas, eu me ria por tanta suposta exatidão
Deflagrei-me

Dos passos, dados, repassados, da varanda, à porta, do tapete rubro
ao altar, da porta ao guichê da rodoviária vazia de madrugada, do Passeio Público chuvoso à ponte interditada,
...eu já tinha o número certo

E das palavras, do 'como está?', ao 'talvez', do 'o que faremos hoje', ao.. ao
...ao 'que tal nos atarmos por entre os trilhos do trem', do 'eu quero você aqui agora', ao 'me diz
3 coisas que te infernizam, porque as quero saber de cor', do '...' ao '...';
...eu perdi até o medo de repetir para mim mesmo quando não estivesse pensando em

Saturday, July 14, 2007

Depois do 'Zê' vem o quê?

Zigoto fecundado, 9 meses se foram, e me cuspiram pra fora do útero e eu
zunia de tanto gemer, chorar, tossir e vomitar na terra da garoa, por isso
zarpei de navio, digo, ônibus, mas balançava como tal, para cidade maravilhosa
ziguezagueando, tropeçando, retalhando joelho, enfim andei, falei, resmunguei e de
zíper escancarado, ri de mim, tinha 15, pensava, resmungava, e, marmanjo, até pra
zona me chamavam, e nem ia, romântico bobo, cheio de grilos, tanto que pra uma
zinha me ‘xonei, me fudi, c'est la vie: fugi de tudo me refugiando no rock n' roll e o
zepelim, minha nova paixão, trouxe a música, abriu caminho pra arte, e revelou o
zênite meu que eu não esperava: A VIDA - finalmente minha tribo era eu e hoje,
zoomorfo, vago de pombo, cagando e voando para tudo o que eu pensava pensar.

--

Texto que mandei pro concurso "Lado Z", promovido pelo site do cantor de mpb (que amo, aliás) Zeca Baleiro. Tudo ia muito bem até eu me dar conta que o prazo do resultado seria curto demais, e que muito provavelmente isso tudo não passaria de um sorteio. Ler textos vencedores que fugiam das regras principais propostas a princípio apenas confirmaram a minha suspeita. Enfim, viva ao Senhor Baleiro, de quem sempre serei fã. *Sorrindo*

=)


Monday, July 09, 2007

'Tarde

...quando você tenta ser perfeito e isso por si só é imperfeição, vê? Devíamos nos habituar a ver as coisas partindo com todos os defeitos como referencial. Olha a ponta do meu dedo, ela está torta, e a unha mal aparada, e dou a mínima. Eu risco o vidro embaçado, soco-o, trinco-o, e o sangue da minha mão cortada esvai, vaza pelo punho trancafiado, tinge o chão de rubro, e aí? A dor ecoa, eu sei, a dor ecoa até seu ouvido pelo meu grito, que sai da minha garganta, que arromba a minha laringe. E você interrompeu sua leitura, porque eu faço sempre barulho demais, e você precisa se concentrar. Mas você tem que entender as minhas necessidades. Eu sei que você está aprendendo a ler agora, ok, ok, ok. É um novo recomeço. Ah, eu estou aqui... Não estou? Seja mais leve, eu te amo, veja bem, tudo passará. Não fique brava.. mas... mas... ah, você está rindo já... HAM... E como estava dizendo, tudo está baseado na imperfeição, e é assim que funciona na prática: o defeito ou o perfeito ilusório, visto que nada é realmente perfeito, são apenas outros dentre outros detalhes. Eu desafino quase sempre, mas e ai, Bob Dylan nunca fui o melhor cantor da galáxia, e é reconhecido pelo o que compôs e interpretou, afinal, e é o conjunto que valeu. As pequenas partes que unidas formam algo realmente belo e que vale a pena. Uma vista furada, um dedo ampultado, uma perna levada pelo caminhão de leite... Defeitos que lá vão ajudar a construir um ser humano melhor! Sim, é isso o que eu acho. É difícil, é foda, no início, ok, só que depois as pessoas superam, vê? E ele o fará! Vai passar a dar muito mais valor a vida, aos apertos de mãos, aos abraços, vai agradecer de poder ainda contemplar o crepúsculo, poder devanear sobre que nuvens tem forma de tigres dente de sabre ou de mamutes congelados no polo norte, ou nem um nem outro. De fato, é melhor assim. E eu sou imperfeito também, e é por isso que acho que superamos isso tão facilmente. "Facilmente", é, entre aspas, sei lá... É, eu sei que nem sempre é assim... Mas realmente devia sê-lo! Veja seu caso: o sol está quente hoje, você pode sentir isso com uma perspectiva diferente da minha. Possivelmente você notará melhor os pássaros cantando mais afinados do que eu, distinguirá as nuances de cada nota que eles solfejem, e seu piano tornará as coisas menos difícieis, visto que você se sentirá mais próxima do que nunca dele. E sua voz, você canta tão melhor que eu, cortará meus timpanos, "will rock" meu labirinto, é lindo demais imaginar. E é você que abrirá as garrafas de refrigerante, sim! Hah! Ou apoiará elas para que eu tire as tampas. Eu não estou tentando tornar as coisas mais facéis... Ou menos dramáticas. E você sabe. E você também sente, ontem a noite deu pra notar. Veja esse lábio, veja esse "cê", eu disse que você sabia. E você sabe que sabe. As coisas não são "ideiais", afinal, pra ninguém. Quando sem limitações, como nós, as pessoas se estressam com pia entupida, com o grão de arroz que ficou caído no chão, e é a Terceira Guerra Mundial, a segunda guerra do Golfo, enfim... Elas se matam todos os dias. E isso é imperfeição também. De uma forma ou de outra... Sei lá. Uma chance pra juntar pequenas imperfeições e torná-las...Não sei. É assim que funciona, você é jovem, e eu também, e estamos bem. Apesar dos pesares, eu posso escrever ainda, com o que me resta, e aqui estou. Em que ponto do livro está agora? Oia, 10 páginas pra acabar! E essa coisa era grande! Isso é lindo demais, querida. Você devia agradecer ao... Como era o nome dele mesmo? Ah, é... Frenti ti ti... Louis Braille, assim que pronuncia? É inglês né? Não, francês... Ok. Haha... Então, você devia agradacer ele cantando aquela canção que você compôs outro dia... Né? Ah, eu sei que ele morreu há quase dois séculos, mas você entendeu, ele pode ouvir mesmo assim, pelo menos eu acredito nisso... E você ainda pode cantar, e tocar piano, e até melhor do que antes, tá, eu já disse isso ...e dentro do que tangimos, faremos extensões de nós, desprenderemos pequenos pedaços do que somos, em cada palavra e cada gesto, porque superamos as coisas, e nos tornamos algo, sem referenciais, algo maior, algo com bases maiores, firmes, alicerses de diamante. É, e diamantes nem são usados em construções. Porque você acha que existem tantos suicidios? A graça é essa, querendo ou não, são nos dadas materias primas ruins e boas, e escolhemos, quaisquer sejam as situações em que nos encontremos. A despeito das situações, eu sei, não sou hipócrita, não é fácil pra qualquer um... mas a despeito das situações, é possível chegar a algum lugar, assim, positivo.Tá, eu tenho que parar com esse papo de auto ajuda, e cada um é cada um... mas não vejo outro forma de expressar o que sinto agora, entende? Tudo bem, não vou lançar um livro baseado nisso, haha, embora não fosse má idéia... Ha! Ok, querida, vou parar de falar, haha! Você que bem que gosta afinal de contas, né, sua sapeca...

...

As coisas não são perfeitas, mesmo, mas acho que outras coisas mais relevantes tornam isso um detalhe de pouca importância... Sei lá o quê. Enfim... Já são meia noite, vamos dormir então? Vamos, pegue minha mão. Ah, e agora me dê um abraço... Ok, agora vamos. Cuidado com a cadeira.

Monday, June 25, 2007

Solilóquio

“Há certas coisas na vida que, se nos dedicarmos demais para que tenham sucesso, terminam em desastre, e nada, nada, e...” Ela olha para ela com sobrancelha arqueada, e a interrompe bruscamente: “Como?”. Ela responde para ela, com leve impaciência. “Isso mesmo. Quando você tentar perseguir demais algo que, racionalmente tenha tudo pra dar certo, você não chega a lugar algum.” Ela aumenta ainda mais a expressão grave de dúvida e insiste para ela: “Porque você está ME dizendo isso?” E ela “Não seja megalomaníaca, e, ou, ou, e egocêntrica. Falo de... Veja, da última vez, aquela... Conte me, como sucedeu.”. Ela...” Ahn?”. Ela... “Como as coisas ‘coisaram’, você chegou junto, ou o contrário, ou vice e versa, o primeiro assunto, o que tinha em comum...” Desanuveando, pouco que seja, o rosto, ela começa: “Ah tá... A verdade é que nada tínhamos em comum. Só aquela ligação estranha, intangível, sei lá. Olhávamos eu, ela, a troca, e percebíamos algum pedaço em comum, em um lugar distante dentro de cada uma, poetizando... “ Tossiu... “... poetizando, havia uma luz de mesma cor, reverberando o mesmo brilho, no farol mais longuinquo de cada uma, na ilha mais escondida por entre as sombras, os oceanos infindos, e etcétera, e foi o que trocamos naquele exato primeiro dia...” Ela... “Quando?” Ela... “Ora quando... Eu estava enxarcada com minha blusa no bebedouro, e ela veio conversando com quem-não-lembro-quem. Tentava e tentava conseguir me livrar daquela armadilha, porque o treco lá era uma armadilha, com tantas pontas de ferro muito mal aparadas, enferrujadas, enfim, eu já estava toda molhada, presa com minha blusa lá, e o bico de metal espirrando e espirrando água... e ela riu horrores, não sei se de mim, ou se da amiga, mas riu bastante. Aquilo me subiu a cabeça, né, você sabe como eu sou assim, intolerante, zero, 0%, ai eu perguntei qual era o problema, e amiga disse que nada, e eu não tinha notado ela. Senão me engano era o seu primeiro dia... Bebi a água, enfim, graças, soltando minha blusa, e me encaminhei pro banheiro pra trocá-la, e vestir o uniforme tradicional. Fui bem rápida.... Saindo, fui para o canto do mural, onde havim um calendário desses de açougue, como ele foi parar na secretaria, só Deus sabe. Quando já tinha visto o que queria ver, me viriei, rapidinho, e esbarrei no ombro dela, ela e amiga ainda estavam lá resolvendo sei lá o quê, e aí que nos olhamos pela primeira vez...” Ela interrompe ela “mas e aí, como foi isso. O primeiro olhar! Diga-me!”. Ela manteve o mesmo tom... “Era o que eu dizia, bem, foi estranho, não sei.. Mas não é a mesma coisa você olhar uma pessoa que depois se revela importante pra sua vida, uma antagonista sua, mesmo, assim, pela primeira vez, e olhar a alguma pessoa que não terá relevância pra porra nenhuma, uma típica figurante mesmo. Nunca é igual, sabe. Tem algo lá, é sempre assim. E bem, eu olhei, e ela olhou, é daqueles momentos quevocê sente que alguém olhou de volta. É empatia, talvez.... Who cares. Então, ai foi assim...” Ela então, com queixo entreaberto, insiste. “Mas continue, responda me o que eu perguntei! Como era os assuntos, e tals?”. Ela... “Ah... é... Não tinha assunto!” Ela ri áspera, tosse leve novamente, e continua... “Não tinha nada, éramos completamente diferentes. Eu pensava coisas distintas. Eu sempre me danei pra essas merdas reliogosas, e ela era cheio de grilos, traumas, neuras, e blablablás do gênero. Lembro que eu puxei assunto da primeira vez, como sempre, sobre literatura, e ela empurrou a conversa pra frente, com a barriguinha com piercing n’umbigo, da mesma forma. Ela não gostava tanto dessas coisas, e eu amava, como até hoje amo, mas foi um ponto. E eu queiria insistir, não sei porque. Tirando isso, sei lá, tudo encaixava, sabe. O olhar, os risos... Arrrg...” Ela vira pro canto, cospe contra o cinzero vazio, enorme, aparentando mais uma bacia, e acrescenta: “E assim foi durante 3 anos, cada vez pior, cada vez mais rareando o sentido, praticamente só nos entendíamos na cama. Discussões, horas vazias, sem bons dias, maus dias, sempre sem reuniões familiares, afinal, a familia dela me odiava, assim como ela propria também, e aos poucos, cada vez mais. Mas é, ai um belo dia eu acabei com tudo. Fim. Satisfeita?”. Ela começa a ensaiar um esboço de sorriso nos lábios, enquanto suas palavras mesmo a atropelam jogando por cima de tudo...”Ah... Entendo. Entendo! Passei por tantas vezes por coisas parecidas... Mas no meu caso foi o inverso, entende?”
Ela faz gestos de quem não quer entender nada, se sentando na beira da cama e puxando o lençol contra o chão. Contudo, vira a cabeça, fita-a, diz uma palavra monossilábica incognicível, e faz sinal com as palpebras pra ela proseguir.

“Então.... foi no meio desses sites de relacionamento. É, isso... Eu vi lá algumas coisas sobre ela, e era tão engraçado, gostávamos mesmo de tudo, tudo igual. E ela era linda demais, não uma modelo perfeita, mas era realmente muito bonita. No ponto. Na medida, sabe? Se fosse perfeita demais me inibiria... E traria mais dores de cabeça. Mas enfim.. Ai tinhamos tudo a ver uma com a outra... Até o tal da porra do saco do gosto literário a gente compartilhava! Kafka, esses escrttores que todo cult diz que lê e entende, ela gostava, e, logo nos primeiros minutos de conversa, demonstrava que entendia mesmo! Sem ser aquelas ostentações retardadas pre-adolescentes! Isso me saciava profundamente. E passávamos horas conversando pela internet mesmo... E o problema foi que as coisas nem demoraram tanto. Ela me empurrou contra a parede. Eu, se hoje sou retraída, ainda que solta com relação a certos assuntos, como intelectualidades banais, eu era retraida sim com meus sentimentos... É...” Pára por uns instantes... depois continua... “Como disse, se sou assim hoje, imagine anos atrás... Aí ela as vezes me jogava indiretas diretas demais, e eu me coçava, me reprimia... pensando ‘caralho, porque fui começar com essa merda...’ Mas você sabe, né... Eram já 5 anos de solidão.Cinema sozinha, E tudo...” Ela interrompe rapidamente: “Mas você sempre foi de ter amigos. Nenhuma anti-social” E ela continua: “...Sim. Mas o SOZINHA que digo, é aquele.. sem uma mão pra segurar, sem um perfume alheio pra sentir mais de perto... Uma cabeça pra aconchegar... Fazia tempo, desde a última vez.” Ela faz um gesto de concordância, já menos contrariada, dando mais um sinal para ela prosseguir. “Então, eu sorri pra mim mesma, respirei fundo, e marquei logo pra nos vermos. E o primeiro dia, admito, me deixou otimista. Ainda que as coisas tenham ido rapido demais para o meu gosto pessoal, o primeiro encontro foi bem bacana... Conversamos horas sobre vanguardas modernistas, sobre cubismo, que ela adorava. E até mesmo sobre trivialidades! Eu e ela também éramos fãs inveteradas de Calvin & Haroldo! Bem, mas eu ainda sentia algo faltando. Ah... mas pensava que era frescura, da minha parte, eu idiota, eu ‘letárgica’, como você diz, e deixava as coisas seguirem em frente.” Ela coça a cabeça, se dirige ao cinzeiro. Depois ela, puxando um masso de cigarros, acendendo-o e puxando logo em seguida um trago, dirige seus olhos de encontro aos dela, fazendo novamente um gesto pra ela prosseguir. E ela o fez: “É... faltava algo. Mas eu enterrei minhas intuições, todas elas, sabe. E insisti. Chance potencial de desencalhar, entende...” E ela ri. “É... foi. Demorou 15 meses pra eu ver que eu estava certa desde o início...” Ela trazendo a tona mais uma vez o olhar de dúvida, interpola “O que Aconteceu?” Ela, agora reticente, e dando ares de arrependimento...”Você sabe... Aquilo. Foi horrível...” O silêncio se torna tão denso, que é possível ouvir, pela janela, cachorros se coçando do outro lado da rua. “Precisamos mesmo citar isso? Nem queria chegar a esse ponto. Era pra eu citar só vagamente. Vagamente...” E ela, compreensível diz: “Entendo... tudo bem. Você que começou... Eu só segui o fluxo...” E ela... “Sim, eu sei... Não é sua culpa... Deixa pra lá”. Ambas se levantam da cama, e vestindo as mesmas roupas, fitando o mesmo céu, nublado, dizem ao mesmo tempo: “O fato é que nada dá certo quando você insiste demais naquilo... Mas quando saber se é certo? Se é perfeito?” Após estabelicido o silêncio, insistente, vestem o casaco negro de couro, depois de já aderidos os outros trajes, atracam-se com os mesmos objetos em pulso, orelhas e pescoço, e suspiram pelo mesmo pulmão, fitando com os mesmos globos oculares – completamente vermelhos – um único rosto no espelho. E finalmente dizem para si mesmas... “Já sei... É simples até... Quando algo tornar o perfeito impossível de se realizar de fato...”

--

Fotógrafo: Antônio Lança.
www.olhares.com

Friday, June 15, 2007

Bola no saco.

É assim que funciona:

Se você ouve sons "alternativos", você é Indie, pseudo-intelectual, e tem tendências bi-homossexuais;

Se você ouve heavy metal, bandas "gru-gru", e derivados, você é metaleiro, nerd, burro, viciado em rpg;

Se você ouve pagode, "ligapramimtinhamu" é pagodeiro, também burro, alienado, e... ah é, pobre;

Se você ouve bandas de emo-core, com letras que tratam exclusivamente sobre dor de cotovelo, e derivados, você é EMO (e impreterivelmente dá a bunda também);

Se você ouve coisas dentro do padrão considerado "música-para-pessoas-inteligentes" à la -olá, eu sou inteligente, e escuto isso. se você é inteligente, escute isso também-, você tem neurônios em plena atividade. In other words, você é "cult", e superior à todos os demais seres vivos da face da Terra (incluindo os insetos). Se você gosta de algo fora desse padrão, você é burro, "não sabe nada", e, aliás, também fede e sofre de hanseníase contagiosa.

E se eu prefiro comer tangerina ao invés de laranja, vou morrer aos 20 anos de idade (por falência múltipla de órgãos).

Thursday, June 07, 2007

Soneto Ao Martir Pós-moderno



















Uma nova era de sofreguidões
Braços dados, abertos, ampultados
Os sorrisos estéticos vão dados
À mão, ao amor, à porra dos culhões

Cresci criança, vida que então tive
(Tivera...) deteve-se por si só, declive
Ao cimento seco, dissolve o dia
Céu da boca, a solitude, agonia

"Mãe verberando a caca do filho
Que conspurcou quintal da velha alérgica
Com pedaços: próprio corpo espalhado"

Empalhei me então, e agora eu ilho
Meu crânio seco, a verdade letárgica
Meu peito, a dissecar, só, nunca amado

Saturday, June 02, 2007

Fomes Distintas

(








)

Agachado, topo do cocoruto tocando os braços cruzados, H. contava os segundos, sincronizando-os com sua respiração. Bufante e arquejante, entrefechava a vista de quando em quando, de vez em sempre, e parava por vários instantes observando as nuances da própria vista desfocada, por onde reverberavam alguns raios de luz, que atracavam-se nos sílios e umideciam-se nas remelas. Via o que o rodeava com precisão tão aguçada quanto a de um caleidoscópio. Entretia o tempo contando, com foques e desfoques, o número de formigas, pedregulhos, pombos distantes, como em fotografias dispersas aleatórias.

O prazer. O desejo, era de-de-desejo, H. sabia. O poder da vontade que estalava-lhe por entre os dedos. As palavras tatuadas coloridamente de verde-musgo-catarro e vermelho-sangue na nuca, liberu arbitrium. O ricochoteio do pé contra o cimento –uma, duas, vinte vezes-, lembra-lhe que sabia bem que desejo o apetecia. A unha fincada a carne, -indicador contra polegar-, gadanhando, quase retalhando, o tal do dedo. A cabeça suando e pinicando inquietamente, desde couro cabelo, até dentro da narina suja. A consciêcia que não se apaziguava, nem por um par de segundos, deixando-se aquietar em pleno silêncio, atia-se apenas a ritmia da respiração, porém como se cada insuflação fosse uma explosão em Hiroshima numa manhã de 6 de agosto. Os dentes, já absolutamente rangidos, triturados por si mesmos, por onde passava a língua, mordiscando-se, decepando-lhe tantas coisas sob a imaginação estéril, davam-lhe o gozo da auto-flagelação muda. A tosse tísica corrompendo-lhe os pulmões de segunda mão, e fazendo-lhe sobegar o passo a ponto de tropeçar, e, enfim, abrir a vista, à luz da manhã que tornara-se mais intensa.. O espírito -imaterial, e, contudo, tangível – indiferente ao som dos pássaros piando sem querer, às cadelas transeuntes que fitavam-lhe os olhos, como ninguém mais, ao cocô de pombo que acabara de cair lhe sob os ombros, indiferente à tudo como se o corpo e este espírito não formassem unidade harmoniosa, porém fossem um par de planos, desfocados, separando-se pouco à pouco, conforme as horas clicavam-se dentro dos minutos dentro dos segundos contados.

Mas, assim como passam, as horas param. E elas pararam , postadas à frente de H. às 8 da manhã daquele dia. S. amarrava os cadarços do all-star vermelho, e, feito isso, tornava lentamente ereta a coluna, até esta revelar-lhe seu corpo fino, de discretas curvas e saliências, disfarçado sob a camisa branca e as calças jeans azul-claro. S. era ela, pura e simplesmente, enquanto fitava o céu em ângulo obtuso, com as pálpebras quase fechadas, ajeitando na orelha as mexas de cabelo castanho-médio-liso. Era ela enquanto tossia contra a palma da mão fechada, espigarreava ajeitando a mochila cinza tipo esportivo, e sentava-se caladamente no banco verde escuro, localizado exatamente ao lado oposto, reto, ao canto onde H. se achava jogado e espreitando-a. Era ela enquanto descarrilhava o zíper, abrindo a mochila, e retirava um par de livros, um de capa dura avermelhada com letras gravadas em ouro, e outro cuja capa era de papel menos resistente, com uma gravura de uma família gravada. Era ela enquanto atendia o celular azul, atendia, dizindo “alô”, e seguia conversa entrelaçada a sorrisos e gargalhadas discretas. Era ela quando dizia “até logo, já te vejo”, e jogava tudo na mochila, se levantando bruscamente rumo à leste.

Preparada pra seguir seu caminho, destino, pra encontrar não se sabe quem, não se sabe onde, S. arrastara a sola do pé duas vezes na quina da calçada, e se preparava para seguir em frente. Seja o que fosse acontecer, sua vontade, seu livre arbítrio agora se tornava irrelevante, visto que sua sorte acabara de ser traçada, dois instantes atrás, quando seu semblante passou diante do olhar de H.

As insuflações, as tosses, tendiam a aumentar, a explodir, como na manhã de 6 de agosto de 1946, mas ele manteve o passo, encatarrou dois cuspes verdes contra à calçada, segurou , com a palma da mão fechada, também, em punho, a tosse áspera, escalavrante, e seguiu com calma figurativa. O co-co-coração disparado, furtava-lhe ainda mais às forças, pulsando em socos contra a parede interna do peito. O corpo fazia lhe sentir espantalho recheado que senão de palha, carrapichos e restos de capim.

Carregando peso, óbvio, nas costas, S. tornava-se uma presa fácil de ser perseguida. Mesmo para o então, carcomido, H.

O meio instinto e a meia premeditação, pelos quais dava-se a silenciosa caçada, cheiravam à caçadas selvagens e míticas: a besta macabra perseguindo a gazela indefesa. As confissões que divi-vi-vidia consigo mesmo, eram cada uma de suas tramas, que devoraria-a por inteiro, primeiramente no sentido sexual do termo, e então, literalmente. As histórias que contava a seu eu lírico sobre o caso do dia anterior, detalhes que colaboraram para a sua má campanha e consequente fracasso, estes que se repetiram também das vezes anteriores, meses e anos passados, apontando estratégias para que agora desse certo, e incentivava-se repetindo, palavras assim, como um mantra, que agora daria certo, citando Hannibal e Jack. A boca que subia-lhe, enchia-lhe, escorria-lhe saliva. O globo ocular, conquanto que se considerasse o negro encardido e o branco que já deixara de ser branco pra dar lugar ao amarelo, poderia se dizer que um certo brilho enchera-o de vida.

S. seguia caminhando, murmurando alguma coisa, frases aleatórias, ou versos de canções avulsas, distraída, treijadanto-se indiferentemente ao resto do mundo, como se desde o bom dia que um jornaleiro conhecido lhe gritara, até o cachorro sendo atropelado no meio da rua não passassem de paisagem vazia e inanimada: seu andar era banal, mas as mãos moviam-se como se elas que estivessem ao chão locomovendo o corpo, de tão firmes e vívidas. Estalava os dedos finos e sem anéis ritmicamente, inclusive habilidosa, disfarçando uma batida intermediária entre samba e a bossa nova, as vezes contrapontuando as canções cantadas, outras não, tornando-as duas coisas completamente distintas. Sua cabeça movimentava-se em círculos discretos, e o olhar-castanho-médio prendia-se em algum lugar invisível, além dos edifícios longínquos que bloqueavam o horizonte. As pessoas que cortavam-lhe o caminho mal eram vistas de soslaio. Coçava também a parte de fora do nariz pontiagudo e fino desavergonhadamente, e jogava gotículas de suor para longe da testa, tão naturalmente quanto. E aquele sorriso constante, em forma de um C breve, cavando-lhe uma cova no meio da bochecha-avermelhada esquerda, dava-lhe o ar de deboche para qualquer um que parasse para fitar seu rosto por dois ou mais segundos. Dividia a atenção que dedicava a si mesma apenas com as nuves redondas e branquelas, que especialmente naquela manhã pareciam figurantes de sonhos surrealistas. Enquanto algumas lembravam elefantes, hipopótamos, guaximins, aedis egypt, outras pareciam ter sido desfiguradas por uma mão divina, que as tornara uma única e tênue pastosa massa de algodão branco derretido sobre o céu azul cada vez mais claro.

A consciência de H. ainda entretia-se, espalhada em si mesma, e no que cortava, talhava e admirava. A sua boca abria-se e ao extremo de doer lhe os músculos do rosto e trincava-se a ponto de sentir a pressão da parte superior da sua cabeça interamente sobre o queixo. As mãos, gadanhando-as uma vez mais, agora, mutiliram-se seriamente, ao longo do polegar gotejava o sangue retalhado pelo indicador, e outros três dedos, anelar, médio e mindinho, faziam a tarefa de riscar novas feridas, linhas-concorrentes, a linha da vida e do amor, já curtas, conforme uma cigana espanhola havia dito duas décadas atrás. O liberu arbitrium da nuca era da mesma forma retalhado, do nervosismo que lhe dava comichões por todas as partes do corpo. Os sentidos aguçados, a visão dispensava-se de regalias, e mantia os olhos agora fechados. A locomoção agora se dava guiada pelo olfato e pela intuição, driblando os outros transeuntes conforme sentia suas presenças próximas, fosse um gordo enorme afro-brasileiro cheio de correntes douradas cricantes e barulhentas, fosse um velho raquítico fedendo à alfazema, e cruzando as ruas quando silenciosas em ambos os lados, das mais movimentas, Paulista, Rio Branco, e das curtas, infestadas de botequins e lojas 1,99. A distância à S.- medi-di-dida pela intensidade de seu aroma róseo conforme este evanescia ou tornava-se forte, ardido, quando grandme demais, causava um leve desespero, somado à agitação interior nuclear de H., fazendo-o se mover o quanto rápido possível, à direção da jovem, e ia assim, até emparelhar-se com o rastro correto, ideal, mantendo vigília à espera do momento certo para o primeiro ataque.

S. sentira um chiclete agarrado à sola do seu all-star vermelho. Rindo de si e mesma, encontra um pequeno pedaço de terra onde estava plantada uma mangueira, com a qual sujou a goma, e reiniciou a caminhar, porém ainda mais vagarosamente que antes, arrastando o pé conforme andava no cimento áspero. Puxara do bolso dois fones de ouvido branqueados, e ajeitara-os delicadamente nos ouvidos. Começava a cantar uma canção qualquer no instante que notou que, mesmo querer, devido a sua constante distração, chegara ao seu destino. Era um estabelicimento pequeno, assemelhando-se a um sebo de bairro, com janelas que lembravam arquitetura do século retrasado, mas com porta de aparência mais contemporânea. Vitrines cheias de itens espaçados, S.fitava as sessões lotadas de livros, alguns bem recentes, best-sellers, entrepostos à clássicos de literatura razoalvemente conservados. Escancara o sorriso, dessa vez colorido de satisfação, aprofundando de vez as covas em ambas bochechas rosadas. E partia em direção à entrada.

A hora do abate de S. chega-ga-gara. O carcomido H., observando a lentidão da senhorita, posicionara-se um pouco antes na distância ideal para o ataque, de estrupo e estripação rápidas. A saliva já escorria-lhe queixo abaixo, quando H. enfim tinha ao alcance dos punhos e unhas ensaguentados a cintura de S. As suas encharcadas mãos puxaram-a bestialmente pela bacia, para então arremessá-la à calçada, cuja quina foi exatamente de encontro a sua cabeça, resultando numa batida forte e em um som estalado e alto. A desafortunada S. estava inconsciente. O faminto H. segu-gu-gurava-a com a mesma força que faria se ela estivesse consciente, e apoiava o colo de suas mãos no asfalto, ralando-as e fazendo as sangrar o bastante a ponto de começar a fazer o braço inteiro da moça empalidecer. A bragui-gui-guilha de sua calça estava prestes a ser aberta, e conforme isso acontecia, retalhava-a pelas veias fragéis com a unha afiada de seu indicador, fazendo lhe escorrer também os glóbulos vermelhos, que de um, de outro, começavam a se misturar. A poça escura que se formava sob à cabeça tombada e às costas da jovem desmaiada, aos poucos, então, misturava-se a cor de marfim do piso, ilustrado por flores diversas de espécie fictícia. O vermelho tingido no piso desapareceu por completo.

Boquiaberto ele sai do transe jogando o lençol enrolado pela cintura pro lado e gaguejando o que poderia ser um palavrão em um idioma completamente incognoscível.

Ainda sorridente, ela entra no sebo, ouvindo o toque agudo e suave do sino que jazia na quina superior da porta.

Wednesday, May 23, 2007

Bromélia

Nos revezávamos em nossos abraços
Eu a afagava enquanto estava longe o bastante
E ela me tocava quando eu já estava distante, à salvo
Do risco de sentir o toque à pele
E estávamos bem-bem-assim-assim
Currando nossos sonhos sobre o capim seco
Sobre um feno qualquer, repleto de carrapatos famintos
Lágrima?
Era o nome que ela dava a vesguidão.
É, soslaio, era pleno olhar que me fitava, dela, então
Quando limpava as marcas de sangue azeviche
Atravessando, roçando as pernas até no ar, atravessando...
O quê? Que se vai.
Que se vai e perfura a dor de calcanhar
Faça me o favor de ser a chave que vira
A curva cruzada na hora de voltar
A embriaguez, a pressa, o desfiladeiro, a explosão, os destroços
A inapetência, o ciso que espicaça meu lábio
Não por paixão, sim por repulsão
Que quero ver logo a hora se semear suas cinzas
No teto daqui de casa
Ver você nascer como realmente é
Não mais orquídea, ou lis (ou merda que for)
Mas como bromélia
(Carnívora.)

Monday, May 21, 2007

Al (II)

Esse lugar já foi mais belo... A cafeteria não existia mesmo, deve estar aqui há pouco mais que um ano ou dois. Droga, na sola ainda tenho um chiclete, pensei que tinha saido. Quer dizer, espero que seja realmente chiclete, e não outra coisa... Hahaha. Droga, ninguém olhando? Ah, tanto faz. Vejam, crianças pulando pra lá e pra cá. Em pleno entardecer de domingo? Que coisa mais estranha. Ainda com esse frio. Gente do céu... Elas se divertem, ao contrário de mim... Pera, estou tão entediada assim?Às vezes eu mesma caio nesses paradigmas que as pessoas impõem a si mesmas e a seus decendentes, filhos, e tal. Só por estar sozinha não é exatamente estar só, e, conseqüentemente, estar triste. Já passei por momentos muito mais maravilhosos d’eu comigo mesma, do que com certas companhias. É, aquele céu nublado está desaparecendo. E choveu há pouco mais de meia hora... Menos mal. Vejam elas, nossa, essa brincadeira eu não conhecia...

...

Ah, essa sim, essa eu conheço.

...

*Um grupo de crianças se aproxima caladamente pela lateral esquerda, e uma menina de olhos azuis e cabelos castanho-claros puxa a ponta do seu casaco.

Hum.. Abaixo assinado? Para quê, minha jovenzinha? Ah... Bela causa, hein? Tão jovem, e já uma ativista política! Haha. Ok, sim. Deixe-me assinar... Pronto. Hum? Ah, não pode ser rúbrica? Tudo bem, certo. Mas não está legível o meu “Mah”, não? Hahaha, eu sei, estou só brincando. Pronto... De nada. Bom domingo pra você também.

*O grupo de crianças se afasta

Tão, tão, tão... Eu sinceramente tenho vontade de ter filhos. E ai deles se crescessem! E se tornassem como eu, ou... o Sol se pondo! Vejam só! Eu costumava sorrir de dia em dia, e é dia, e eu sorria. E a gente via o pôr do sol junto, é. Eu devia sorrir bem agora, rir também desse... Droga, não acredito. Hahahahahahhahaha. Pisei nessa troça de cavalo defecada. Gente... Hahahahahaha. Ai, dio... Vamos arranjar um lugar pra limpar isso. Hum, aquela lavanderia deve ter uma pia, sei lá... Que saudades do que eu era... Eu deveria amar meu presente, pra ser plena e feliz, e motivos realmente não me faltam. Estou em um relacionamento harmonioso, estou encaminhando uma carreira de pesquisadora bem sucedida... Claro que vou ter que sair do país, pois essa área de pesquisa aqui é a mesma coisa que nada. Estou caminhando pra algo bom... Estável. Estável? É, talvez. E talvez isso seja ser feliz. Só que... Será que ele está em casa? Droga, que idéia, eu ir até a casa dele... Que... Que... É. Vou. Lá.

...

*Havia um parque, uns destroços enferrujados, em meio a uma porção de grama fresca. Em torno, uma placa de escritos ilegíveis pra seu estado de consciência.

...

Até onde eu lembro, foi ali que eu o conheci. Tinhamos nos fitado algumas vezes, quando iámos a nossos portões receber nossos pais, mas ainda estudávamos em escolas diferentes, e era impossível uma aproximação maior. É, foi a bola dele que varou do quintal até a minha cabeça, em cheio. Minto, quase em cheio, pois ricocheteou na corrente que prendia o balanço àquela barra de ferro. Era uma bola de borracha, se eu estivesse mais distraída, eu nem sequer sentiria, ou simplesmente seria um mosquito me esbarrando. Só que eu não pude evitar a vontade chorar, e comecei e berrar, como que adivinhando... Intuição feminina em plenos 7 anos? Haha. Eu nem tinha uma idéia fixa da diferença entre menino e menina...E ele veio me pedir desculpa, e conversamos. Me disse seu nome, e eu disse o meu, e só. E disse que meu cabelo era lindo. E foi embora, sem esquecer a bola. E... Dez anos depois. O dia era belo, e nós estávamos no auge de nossa distância. Pediu me pra servir de modelo, a uma pintura dele. Porém ele nunca, NUNCA foi de pintar nada. Tirando aquela vez que ele coloriu uns bonequinhos-paltinho e tentou fazer uma pseudo animação, pra nos entreter em alguma aula de química inorgânica. Ele nunca foi de pintar nada.. E afinal de contas, era uma certa mentira. O que ele fazia era uma porção de pala...

O que é esse barulho?

...

Ahn? É impressão minha ou saiu alguém correndo de dentro da casa dele?

Am... o quê...?

Eu fiquei 10 minutos aqui parada, vendo isso aqui, que um dia foi um playground, e não me dei conta que o portão da casa dele estava escancarado o tempo todo, desde o início... Deus... E que...?

...

Tem gente vindo dos outros lados, murmurando muito, muito alto. O que há? O quê? O quê? O quê?

*O tempo se fechou, mais uma vez. O sol já tinha se posto há alguns minutos, e as nuvens voltavam a se espalhar. Pequenos pedaços de chuva começavam a se a rarear pelo ar, até ocupar espalhar a umidade fria por toda parte, causando a sensação de que pequenos retalhos instantâneos se faziam em torno da face, conforme ela caminhava rapidamente, para, então, finalmente, correr.

Sunday, May 20, 2007

Al (I)

*Pé dela arrastando alguma coisa na sola, chiclete ou coisa assim, e ela abre a porta da cafeteria, e se senta com as pernas, as tais das pernas, cruzadas, ajeita o casaco e a bolsa. E diz de si para si mesma:


Já faz tempo que recebi a carta, três semanas, acho, e que agora nem sei mais quando, a data borrou, caneta tinteiro, manchou todos os lados da folha. Choveu. Me lembro muito bem o que ele queria. Me encontrar aqui nesse bar, doceria, sei lá... Minha pele tá uma desgraça, descascando, tá parecendo escama de cobra. Nesse mesmo horário, mas há duas semanas atrás. Duvido que ele venha pra cá, desde então, todos os dias na mesma hora. Ele tinha deixado o número de celular, mas só dava fora de área, quanto tentei retornar. Mandei 500 mensagens pra ele vir me encontrar aqui hoje. Se ele recebeu... Pra completar, está bem nublado, deve chover em breve. Ele detestava chuvas. E mesmo que viesse debaixo disso, duvido que me fosse reconhecer, já que não sou mais aquela menininha raquítica por quem ele era apaixonado. Já não sou a garota que ele... naquele dia... Eu só sei que devia ter cortado as unhas, e retocado a droga do esmalte, que tá todo borrado. Merdé. Eu agora sou mulher, tenho um brilho diferente, uma coisa assim, assim, não suspiro à toa mais por ninguém, ninguém, ninguém, não espero a sorte, o amor, ou o sexo bater a porta de casa e dizer "vem". Não mando mais cartas pro papai noel, nem telefono todos os dias pra minha mãe, que meu irmão enfiou no asilo janeiro passado. E essa cabeça que coça, meudeusdocéu, tenho que trocar o shampoo anti-caspa. Visito a velha sempre, ela se tornou caduca, de educação antiga, religiosa, eu preciso... Onde está a droga do garçom? ...Eu preciso visitá-la essa semana ainda. De educação antiga, a família dela sempre achou que lugar de mulher é na cozinha, e essas baboseiras. E pirilim, lá vai ele atender a mesa da moça mais gostosa, safado. E pirilim, nunca passou do ginasial, sei lá o nome, coisa como a nossa quarta série, por aí. E por que raios estou repassando essa pseudo biografia de tudo que venho fazendo? Eu não vou encontrar ele aqui. E eu mesma não sei como ele soube que eu via pra cá por esses dias... De certo se equivocou nas tais das datas. Semana passada ou retrasada era impossível vir. Mas é, o doutorado começou nessas semanas, biologia, animais marinhos. Sempre gostei, e me lembro de quando eu ficava folheando aquelas revistas sobre tartarugas, e ele vinha me cochichar que eu seria veterinária. Meio lesado, hahaha, as vezes ele era tão, tão... Será que ainda tem esses ataques de bobices? Não sei. Mas as vezes ele me torrava a paciência. Ah, enfim vem esse garçom lerdinho.
Ok, eu vou querer um capuccino, e umas torradas amanteigadas. É, só isso. Ok.

A viagem até aqui teve de ser de trem, aqueles novos, que o governo instalou no início do ano. Acho que também choveu no caminho, mas não, não lembro. Posso só ter sonhado... E sai tão exasperada de lá, com medo de perder a estação, que nem reparei se as janelas estava molhadas. E espero só que não demore. Ele me torrava a paciência, com exigências estranhas. Teve da vez que me pediu pra que dissesse o nome da minha estrela favorita, e eu com sombrancelha levantadinha murmurava: “Sol?” E ficava rindo, e me perguntava porque o Sol, e lá ia eu dissertando sobre coisas assim: “Ah, o Sol é mais perto da Terra, logo, é o que eu conheço melhor. Digo todo dia ‘bom dia’, ofereço o chá das cinco... Sem contar que as outras estrelas estão longe demais, e parecem todas iguais. É que nem uma multidão, sabe. Olhando de cima, todas as pessoas são iguais, um, e mais um, e mais um. Se alguém mais quente que algum outro, não dá pra saber, porque nunca estaremos perto o bastante pra ter certeza e sentir o seu calor.” E ele me perguntava, sorrindo, tantas vezes, “Por que você não faz um poema?”, e eu sempre repetia a mesma coisa, que eu não era poetisa, que o que eu gostava era de biologia, de decorar nomes de proteínas, e etc.

*Um pouco de chuva começa a cair, novamente. Mas ela mantém o casaco dobrado sob a bolsa.

O Al... Eu o chamava de Al. Enfim! Enfim as torradas e o capuccino. Obrigada. Essa mesa é suja demais pra mim. Está frio, aqui sempre foi frio assim, mas depois de passar tanto tempo no Rio, a impressão que tenho é que esse lugar se tornou ainda mais frio, como que em contrapartida, dizem, dizem, que o Rio de Janeiro está cada vez mais quente. Deve ser o fim do mundo. E eu o chamava de Al. Al, de au, au, de onomatopéia de latido de cachorro, mesmo. Ele gostava, suponho eu, porque sorria sem ficar constrangido ou bravo. E suponho também que seja porque nunca o chamaram de apelido algum. Seu nome era estranho mesmo de se apelidar, tanto que pensei algo completamente diferente, tal da sílaba que nem tinha no nome ou sobrenome dele. Mas era do cara que tinha escrito um poema que ele gostava muito, desses que morreu faz tempo. Dizia que as primeiras estrofes, assim como todo resto, mas as primeiras estrofes o definiam com, hum... hum.. Com as próprias palavras dele, o que ele costumava dizer mesmo...? Hum... Ah! “Plenitude”. As primeiras estrofes o definiam com plenitude. Já esqueci há décadas os tais dos versos, tinha algo a ver com Nada, e querer ser nada, sei lá. Droga, esse capuccino tá sem açúcar. Garçom, açúcar por favor. E ele me pertubava tantas vezes com coisas bobas. Certo que nos sentíamos bem 90% do tempo. Mas tinha dias que ele prefiria debater Nietzsche e Sartre telepaticamente com a barata semi-morta no canto da sala, do que me chamar pra beber alguma coisa. E assim ia. Estávamos sempre conversando coisas simples, pois em tese, em tese, erámos muito diferentes, nos atraíamos por coisas quase que opostas, ou diferentes demais, para debatermos de forma aprofundada sobre o que mais gostávamos. Em tese, digo, porque parece que ambos gostávamos de alguma forma da vida em si. (Que coisa poética, gostar da vida...) E não poucas vezes ficávamos comentando como as pessoas reclamam de política, que os vereadores e derivados são todos uns safados, mas nem param pra refletir e pesquisar sobre o candidato em que votam. E fazem isso quase que aleatoriamente, tacando lá o primeiro que lhes vinha na cabeça, que geralmente era o que fazia mais propaganda, que muito provavelmente era o menos confiável de todos.

*Ela limpa ambas as mãos, sujas pelas torradas.

E ele desengrachava as mãos, e me abraçava quando eu ficava ajeitando a porta de ferro da loja do meu pai. Esses momentos eram de gentileza, que o sorriso dele era compáravel a de um menino de 5 anos. E passou muitas tardes comigo naquela lojinha fria, comendo paçoca e bala juquinha enquanto esperávamos os bêbados pagarem suas contas. Mas isso faz ainda mais tempo. É muito antes do que aconteceu naquele dia. Uns 5 anos antes. Aquele dia... Droga, começou a chover. Ainda bem que o guarda chuva tá aqui enterrado na bolsa. Um cachorro felpudo vivia no quintal dele, e nunca soubemos de onde ele veio. Parecia um puddle misturado com pastor-alemão. Eu sei que aessas raças não cruzam, por conta do tamanho, blá-blá-blá. Ah... Que parecia, parecia. Joguei tantas vezes o soufflé queimado que a irmã mais velha dele fazia. Ele nem se chateava, já que era dele a iniciativa de alimentar o bichinho. De fato, foi bem depois disso que eu comecei a chamá-lo de Al. Foi n’algum dia chuvuso, parecido com esse, aliás. Acho que vou pedir uma sobremesa, faltam 5 minutos pro horário. Ah, o garçom tá vindo pra cá. Oi, poderia me trazer o cadárpio de sobremesas? Obrigada. A aula de Física tinha acabado, e, bem como ultimamente ele vinha fazendo, estava distante de todo e qualquer influente externo, e estava jogado na cadeira, no canto extremo da sala, lendo e rabiscando alguma coisa no caderno. Como era feia a letra dele, deus-do-céu, e eu ria, “hahaha”, claro que baixo, só pra ele ouvir. Brincava se ele ainda fazia curso de aramaico, e ele mostrava a língua como adorava fazer quando cheia de paçoca. Mas tinha algo diferente. Eu me acostumei a presença dele, e ele a minha, desde não lembro quando. O tempo, porém, estava nos afastando, de uma forma que inevitável, intangível, sei lá. Como se a correnteza afastasse dois botes no mar, e um visse que o outro estava furado e afundando, e este que observava estivesse distante demais para fazer alguma coisa. Merda. Isso lembra... Ele sempre sorria de forma encantada com essas minhas comparações idiotas. Deve ser um dos detalhes que fez ele se apaixonar por mim. E porque diabos eu me...?Ah... Obrigada, de novo. Espere, eu vou escolher rápido. Já tenho em mente, um... Um sorvete de morango, mesmo. Isso, taça pequena. Ok. Sim, com cobertura. Ok.

*Seu cotovelo direito começou a arranhar a mesa, em círculos imperfeitos, e seus dedos quicavam na mesma com arritmia.

Vou deixar isso ao deus dará. Fazia anos que eu conseguira enclausurar esses pensamentos na minha memória, trancá-los num bau podre cheio de cupins carcomidos, e engolir a chave. Santa hora que eu vim pra essa cidade maldita, de novo. Santa hora que minha tia-avó resolveu morrer de enfarto, e deixar a herança pra sobrinha-neta-favorita-a-qual-ela-não-dava-a-mínima-há-15 anos. Bem, desse lado não posso reclamar, pois pode ser essa grana que garanta o meu pós-doutorado na França. É uma compensação, ao menos. Ah, chegou. Obrigada, pode trazer a conta também. Hum... Realmente está bom. Essas cafeterias que também vendem sorvete costumam ter uns tão mal preparados... O que eu queria saber é como ele soube disso. Tá certo que ele morava do lado da minha casa, mas será que ele mantinha contato com a minha família, mesmo depois que eu parti? E por que ele não fez uma faculdade, de museologia, sei lá, que fosse, de letras? Ficou enclausurado nesse fim de mundo a vida toda. Ele que, nos bons tempos, era tão inconformado com a vida, com a conformismo das pessoas... São coisas que eu perguntaria se continuasse aqui por mais alguns minutos...Talvez. Mas a chuva tá rareando, e eu... Acho que vou embora. Sem contar que já são 10 minutos da hora marcada. Posso depois explicar que houve um imprevisto... Bem, a conta está vindo, onde está minha carteira? Aqui. Hum, ok. Pensei que ia sair por mais. Aqui está. Obrigada. Obrigada, de novo. Eu vou dar uma volta nesse pracinha daqui de frente. E ficar observando, e ver se ele vem. Pronto, acabei.

*Ela ajeita a bolsa, e penteia o cabelo, mesmo com as mãos. A tarde começou a cair, e a temperatura ia abaixo, concomitante. Pega a bolsa, abre a porta, e dá adeus, a quem, nem ela sabe.

(Continua...)

--

Ps: Foto capturada por Daniel Camacho. (Site Olhares.com)

Tuesday, April 24, 2007

Bloody Babel

Era cor de mármore o brilho. Cortava a multidão, à velocidade do som, enquanto ele cortava os postes e as idosas passantes à velocidade de cágado. De passos, dos passos, contados, perdidos em conta, o ar se cortava em papel de seda. Fino, tanto quanto. À superficie, a face rabiscada, em assimétrica doçura. Dela lembrou-se, e àquela manhã de abafamento, de contentamento, de estrangulamento, estava por entre seus dedos. Gofava, dentre uma tosse e outra, minúsculos pedaços de vida. Fitava a "artéria" pulsante, ruborizada, no globo ocular. Fedia e babava sobre a testa, e então, a nuca, desta. Ao redor, nem sombras testemunhas, o juramento de silêncio, e já seriam 11 da manhã.

Era de cor amarelada o brilho. Cortava a multidão, à velocidade da luz, enquanto ele cozia os neurônios em banho maria, de pé, em Auschwitz, em hora, na hora certa que se distanciava da linha branca do acostamento. Chegara a chuva, e o a chuva de meteoros da galáxia Cygnus X-1 rasgavam o concreto e o asfalto. E a chuva ácida que derretia sua pele, fundida no azulejo do chão, extirpa aquela saudade, estripa a verdade quase romântica do sonho cumprido à risca, estrupa, ao meio dia e meio, o meio dia inteiro. Seu pânico: estava dentro de sua canção de rádio, ecoando-se pelas paredes.

Era cor, de si por si só. Cortava a multidão, à velocidade de gente manca, enquanto ela carregava o peso da vida no cocuruto torto. Ode a roupa suja, a sede rasgada, ao choro raquítico, murmurava melodias populares. Mas aquela paisagem era quase gótica, com seus cactus verde musgo, com suas caveiras roídas, com a cadela -que um dia fora baleia, mas agora nada mais era que uma sardinha moribunda, mortíça- e suas costelas viradas do avesso, com o camundongo quase morto atarrachado por entre os caninos. E meteoros cortam novamente o céu, rasgam a estrada de terra em 4, estraçalhando ela, a cadela, o que restava do rato, lá. Vêm telejornais, que trazem notícias, que saem pelas rádios, que saem pelas paredes, que cortam o ar à velocidade do som, que navalham à pele das pessoas à velocidade da luz, que abrem a bica lavando as mãos sujas de vermelho, que aparatam-se com curativos na partes onde a pele é derretida, que abrem e fecham buracos em terrenos baldios, que epilecticamente desfalecem em meio ao passeio público.

“Estamos aqui, à uma hora da tarde, direto da 13º DP, onde um homem, cujo nome ainda não foi divulgado, declarou-se culpado pelos três brutais assassinatos, que chocaram o país nessa última semana. Mesmo com seu advogado apresentando, e, inclusive, comprovando o álibi para os dois casos mais recentes - o homem estaria na cidade do Rio de Janeiro a semana toda, onde já havia sido indiciado pelo primeiro crime, ocorrido nesta terça-feira-, este afirma ser o algoz dos assassinatos cometidos, tanto em Belo Horizonte, na manhã dessa última quinta-feira, quanto em São Paulo, às 3 da tarde do mesmo dia.”

Monday, April 16, 2007

Mah - I

"Chega, eu já disse que estou sem tempo. Anda!" Eu pedia mais um segundo, mais um trejeito desejeitado, mais um qualquer..., qualquer coisa servia, qualquer pedaço dela, -qualquer, qualquer-. Mah estava saturada, e não cabia nos próprios gestos de inquietude, desdém, e derivados. Perna cruzada (a dela), eu notava até cada um dos milhares de pontos negros ao longo de suas... "distantiosas" pernas (não tinha adjetivos nem então, fitando à 3 palmos à própria, quanto mais agora, a séculos-luz do que ainda me resta da memória, de sua imagem... "cálida", "pura", "cas.."...Raios! Sempre péssimo, previsível, óbvio na escolha dos meus adjetivos...). Coçava a nuca a cada montante de segundos, o couro cabeludo com a ponta fina da unha do dedo mindinho, com esmalte-recém-retocado rosado claro, e os fios finos semi-castanhos no colo superior dos seus dedos, e as mordidas, beslicadas, que Mah mesma dava na ponta de seus lábios de um róseo natural, quase rústico. (Tudo passava por mim, tudo seria transposto no que eu pretendia.)

Forcei a garganta, pouco, escalavrando-me por um instante curto, e enfim o olhar dela recaiu do ponto mais alto do teto da sala, para... para... para... apontar o meu queixo. Pedia para que não se mexesse, a partir dali, e eu que um dia a quis tão impalpável, para não corromper-me e decepcionar-me, caso a tatuagem que já havia marcado, à ferro e água, há anos no meu inconsciente, se revelasse inverossímil... Eu que já a quisera na devida distância, nem transeunte na linha do horizonte, nem na esquina, à porta da confeitaria, podia agora até ajeitar-lhe a cintura, e pedir pra que inclinasse 20 graus a esquerda, e pedí-la para calcular o cosseno daquele ângulo, em uma quase piada, e já esperar seu sorriso torto, porém espontâneo, com o qual eu vinha me familiarizando, tão intimimamente, tempo atrás.

Mah não entendia, e já desistira há algum tempo de compreender minhas loucuras. Talvez pela “intagibilidade e imensurabilidade no que se refere aos pensamentos e alma de cada um”, arriscaria um livro de auto-ajuda, mas ela recusava, sabia eu, essas generalizações, e já tivera atenção específica em mim, também, um dia. Os rabiscos na parede, meu sol de sorriso não-linear, de brilho tangente ao solo, "isso era para ser uma estrela?", o meu verso (ou de outro tolo), meio sem nexo, rabiscado no canto superior direito do caderno. "Quê que tá escrito aqui? Você ainda estuda árabe?". E me fazia soltar o riso, mais barulhento e incômodo do que as pessoas ao redor esperariam, e que ela recebia, sempre, com mesmo espanto, contudo, de sua parte, que se tornaria surpresa agradável. Mah nunca entendera plentamente nada de mim, e preferia assim permanecer, como em um estado de espírito, e estava ali diante de mim, fazendo pose, de Monolisa-pós-moderna, que ao invés de guardar um riso cínico, postava na face os dentes como em alicerces metálicos de algum prédio de luxo (sim, ela e seu aparelho). Eu, não... não... não tinha nada de tinta, nem aquarela, e nada de artigos pintura, como insinuei há pouco, faltava-me, e até hoje é assim, o talento para esse tipo de arte. Eu rabiscara, sim, primeiro, em giz de cera marrom um esboço, traços sem nexo, deslinhados, aleatórios. Refiz e fiz e refiz circulos grandes, mesmo sem compasso. Fiz o serviço em cartolina “papel-40-quilos”, e pronto: um mosaico digno de trabalho de jardim de infância (sem desmerecer a sinceridade de tais "obras", claro).

Mah espreitara minhas intenções com o papel, tivera a noção do que se tratava, e começara a rir desembestadamente... “Mas o quê...? Não acredito...”. Ela me dava naquele instante o “qualquer-qualquer” pedaço dela que eu tentara garimpar até aquele momento. E que agora, agora-agora, tanto me falta, enquanto, deitado, aqui, com dormência impiedosa atacando as pernas, vejo da janela, o sol e a luz amarela pálida, passando por esses vitrais pseudo-góticos, e colorindo tão falsamente o chão e o azulejo branco daquela, dessa sala, de vinho, roxo, e fim e noite precoce. E fim.

Monday, April 09, 2007

Epitáfio Segundo


Eu te amo. E tá, eu sei, palavras só são palavras, velha frase clichê de traseiro de caminhão. E são ditas no ar que se escafedece-se redundantemente antes que tu termines de respirar entre um tossir, um chupar de catarro e mais outro. E te joga entre os pedacinhos dos mousses de chocolate presos nos dentes que tu não escovaras desde o café com leite de ontem de manhã que tomamos antes de sair pra trabalhar. E as baratas daqui de casa estão perdidas de todo tempo, espreitam-se entre a tampa de chá, coador bege, mexilicam os grãos de açúcar com leite que ninguém varreu, e tú gritas “que merda!”. E está lá trás, vá pegar você a pá pra varrer essa melequêra. Traz a toalha, traz o papel higiênico, traz o documento. E onde eu assino? E coças a mão enquanto escreves. E coças as canelas, enquanto mosquitos te pinicam à’lma (alma fede a queijo mesmo). Nariz meu escorre, e tá, eu já disse isso a tarde toda, mas só queria que tu soubesses que: E ponto. E te embrulha o estômago o meu petit gâteau sem talento ou amor, teus olhos me confessam. E ontem de noite foi terrível, eu sonhava que o fim de mundo era hoje, que cães sarnentos do tamanho de elefantes invadiam a sala de estar que, ao invés de azulejo pele de lagarto, era pavimentada de paralelepípedos cor-de-rosa. E sonhei que a goteira do teto do quarto se mudara para o quarto das crianças e pingava bem em cima da tv 14 polegadas. E vamos jogar paciência, meu amor. Quem vencer mais rápido paga a conta do Habib’s. E tá tarde, porque você ainda não está na cama, caralho? E porra, eu já te disse que não é pra subir na janela desse jeito, já me cansei de te dizer que não é pra você se jogar lá embaixo, sujando o pátio da Dona Rita. E a saudade tava cansada, tirou as meias com chulé, a camisa listrada podre de suor, esticou as perninhas no sofá, lembrou-te da vida que foi sem voltar atrás. E atrás. E atrás. E atrás, você sequer vai voltar atrás. E mesmo seu disser que se eu peco é na vontade de ter um amor de verdade, você já nem lembra do que eu lhe disse. E que as coisas passam, você já sab... (digo) lembra, muito bem.



--














--

Ps:

Foto garimpada do acervo de Geoffroy Demarquet. Vamos, clique aqui para ver seu perfil no site Olhares.com.

Tuesday, April 03, 2007

Epifania e Eu: I

6 de Janeiro. Eu estava lá sentada no canto da sala, quieta, na minha, não incomodava ninguém. Era ela que vinha dizendo bom dia mumurado, e jogando as roupas pelo tapete de entrada, e esticando as pernas mal depiladas na minha poltrona favorita. Um abuso só. A sala de aula estava com umas cadeiras tortas, cheirava a desdém, e o quadro negro tinha borralhos brancos, gizes usados pra rabiscar rascunhos fedidos, dos desconhecidos vizinhos de classe. Ela chegou simples e pura, nem disse nada, ela costumava, basicamente, se comunicar com olhos e face, dependurou a mochila na cadeira à frente a que ela se sentou, abriu o caderno iniciando as primeiras anotações do dia. Ela sentava na poltrana rosada, e adorava ir até a geladeira pegar suco de cajú e pudim. Comia, babava, lambuzava, sentava e pulava na poltrona, sempre dizendo do dia, uma bosta como todos os outros.

Ela sequer perguntou meu nome, e indagou que horas eram. Ok, respondi de canto de boca, três e cinquenta da tarde eram, e continuei na minha, procurando ânimo para recomeçar a estudar. Ela ensaiou um sorriso, e já meio sem paciência, cuspi a pergunta: qual era a graça? Ela sempre ria das minhas manias estranhas, como não saber como dizer as horas de forma abreviada, como em "15 p'ras 5", ou mesmo, apesar de ser moça, esquecer sempre a tampa da privada aberta. Pediu desculpas, e continuou a fitar o seu caderno, que nem parecia caderno de "menina". Tinha um tigre branco, de olhos violeta, com bigodes tortos, no meiode uma paisagem que nem de longe parecia a África, aquele mesmo fim de mundo.

Perguntei que de turno ela era, por até então não tê-la visto pelos corredores da faculdade. Ela sempre se gabava de ter conseguido passar na prova de transferência para o curso de Engenharia Civil. Mesmo tendo se formado no ensino médio em colégio público paupérrimo morinbundo, ela era uma nerd com “n” maiúsculo. Dedicada, minto, não, obscecada pela carreira e pelo futuro. Suas obsessões e apegações... Ela comentou que tinha acabado, sim, acabado, bem há pouco, de ajeitar a “papelada” para transferência, e que agora, finalmente, poderia se considerar “caloura da universidade X ...”. Estiquei ambas as vistas, e estranhei, parecia auto confiante demais. Nada tinha a ver comigo, afinal. Não, eu prefiria aquelas mais caladas, silenciosas, até autistas. Ou seja, as parecidas comigo, contudo, ainda mais subjetivas e anti-sociais, anti-anti-sociais, anti-qualquer-coisa. Definitivamente não fazia meu tipo. Ela vivia resmugando sobre a minha mania de ser do contra, e brincava, enquanto arriscava umas quase-cócegas, dizendo que eu era a “pseudo-telectualzinha” dela. Virei de lado e a ignorei, fechando a face voltei para mim mesma.

O professor mentecapto-fedido-aidético-tísico de Cálculo chegara mais cedo, para nosso espanto, e começou a apagar o quadro. Pronto, agora que a paz descera ralo a fora. Ainda faltavam dez minutos para qualquer coisa: aula, contato-calor humano. Blá, blá, blá. Inventei de beber água no bebedouro mais longinquo do universo. Ela perguntava, com a falsa curiosidade dos que já sabem o que querem: “Você não tem distúrbio de uretra, nem nada, então, você não sente tanta sede, sente?”