Monday, December 25, 2006

Dois posts, natalinos, ou não

I

Eu digo adeus, apenas para soar um pouco mais breve
Do sem-fim que isso aparenta ser
Giro, giro, giro uma caneta vazia
Sob o papel vazio
"É a noite que se veste de azul", ela dizia
"Sou eu que me abraço aqui, na quina dessa esquina
Na beira dessa calçada, sou eu, que, cansada também
Te abraço, como se isso trouxesse algum conforto
Como se isso trouxesse o nosso sorriso de volta à estante
E você sabe, não é...
É a noite, também, que se despe do azul."
Porque as palavras são muito mais fáceis de se manipular
Quase dizer dos amores e dos fracassos
Jamais será untá-los, em fôrma de nada, e junta-los n'um futuro qualquer
É quando a soma do todo é menor que as partes
Eu tenho visto o que isso tem feito de mim
Por isso, te digo, mesmo, o adeus, devera, enfim
Que seja mais brusco o intervalo
Entre o desfraldar do lenço, e a porta batendo.

--

II

E eu digo a Deus, que passe um tempo mais
fora de casa, porque estamos bem, e é, já é tarde.

Da esperança fizemos um presépio, uma noite,
um alento, uma estrela guia, um labirinto
uma perdição, uma reza oca, uns pares de olhos estrábicos
um retalho, uma colcha, umas ovelhas, um choro rouco
uns magos sem magia, um pastor, uma virgem santa,
um pedaço de argila, um pedaço de papel,
um pedaço de filme, um pedaço de conto
uma luz que desceu de algum lugar além daqui.

(Estava escrito, colorido, tingido, imprimido, impresso)
Que os dias cairiam bem aqui
A virtude: a benevolência
Os dias, os vintes, os cincos, cairiam bem aqui
No bolso do senhor do mundo de lá de fora e daqui de dentro

Orávamos, sentados ali, quando uma estrela passou atrevessada
fez a curva mal feita, tangenciou o céu azul
fechamos os olhos, então os abrimos, abrimos os
presentes, o presente, de embalagem vermelha, de
soluços compulsivos reprimidos, isolamos
a voz do vento lá de fora com uma janela fechada,
tapamos ouvidos, cantamos gritando contra qualquer um, coisa, além de nós,
trancamos, então trituramos, a chave do coração, já apertado,
pedindo a um alguém que o mundo fosse melhor da próxima vez, do próximo instante, do próximo ano.

No tal dia, da discórdia, benção, rendenção
Na tal glória, do juízo inicial, final, e o do meio.

Tuesday, December 19, 2006

Dois posts, para comemorar o fim da abstinência poética.

Completando o título: talvez eu realmente estivesse precisando de um pouco de literatura. O pouco que li de "Crime E Castigo", de Dostoiévski, de certa forma, renovou minhas energias.

E lá vão dois poemas, paridos logo após a nebulosa trégua, dessa constante guerra que é escrever.

--

Equívoco

"Estou errado em querer me curar em suas feridas?"

Minha pergunta cortou o ar como luz em fresta de janela
E sua boca aberta nem murmurava, nem sussurrava

Até que "é a hora de mentir, e você sabe tão bem quanto eu
Que mentiámos, e nos julgávamos, o tempo todo"

Era eu, pensei, que colhia palavras saindo de casa
E a caminho daquele encontro, era eu que colhia
Palavras e frases feitas, para então esquecê-las
A caminho do fim

"O sol está nublado, como sempre, como sempre essa nuvem vai
encobrir nossos pensamentos, até que nos agasalhemos, e encaremos essa chuva
e caminhemos para nossas casas"

Mas você era inquieta também, e bem sabia como
Dizer o que queria, de fato

"Sabe que poesia não salvam as pessoas, que estamos tão longe dos livros
E longe de qualquer idealização, pseudo-romântica. Você sabe que eu te quero, tanto quanto qualquer
besteira grande e pomposa a qual eu possa comparar o nosso amor. Mas você sabe que eu não posso te querer, também..."

E eu sabia que estava errado em querer me curar em suas feridas.

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Ae Revouir

Não, você não pode amá-la
Não pode trazé-la à luz pela mão
Se os braços dela estiverem cruzados

Não pode dizer ae revouir ou eu te adoro
Quando ela estiver perdida n'um abraço de ontem
ou
Quando ela amarrar o riso e o laço apertar-lhe o pescoço

Não, você não pode atacá-la
A cada dia que ninguém disser nada
E que do silêncio não se fizer consentimento
E que do silêncio se fizer ressentimento

Não se atreva, você, também
A atá-la pelos pés, toda vez que ela fugir
Quando alguém esbarrar nas beiras da verdade
Porque ela irá...

Por mais que os caminhos que ambos, vocês, cruzem
Sejam círculos em labirintos viciosos
O retalho viciado não se curou
Mas você também fará de conta que sim

Afinal, a hora mais indicada para dizer adeus
É agora...

O 'de novo'
Para chama-lá pelo nome amanhã de manhã
E acordar com o barulho da porta, pelo vento, batendo no quarto vazio.

--

Sim, os temas são parecidos... E dai? =P


Friday, October 27, 2006

Mais que uma qualquer coisa

O que está em jogo é mais que um meio abraço
E mais que um seco beijo, cortado e raspante
Mais que um talher e um prato, ou o sabor que convir
Mais que uma visita esporádica a sessão de achados e perdidos
Mais que aquela frase não-monossilábica doada com ambas as mãos e bocas
Mais que aquele abraço que interrompeu o discurso e chocou a platéia
De ninguém além de nós dois

Isto nem chega a ser uma despedida
Entalada do lado esquerdo e empoeirado do peito
Nem é um dia, queimadura solta e exposta
Nem é tarde, uma nuvem parada sob a sua exitação
Nem é noite, mesmo, de verdade
Não é a lua minguante que você fez questão de cobrir
Com aquela paixão minguada

Isto nem é o coração, torturas de desapaixonados
Isto nem é oração, ou mantras pagãos que se precipitaram
Boca a fora...

É só tudo aquilo que eu via em mim
E não via em você

-xx-

(Fazia tempo hein? Ainda tenho escrito coisas... a questão é postá-las...)

Thursday, September 07, 2006

Múrmurio

Os braços estão abertos, e girando em círculos
Ambos de mãos dadas, jogam a sorte em dados viciados
Trocam-se de desejos e risos no meio da mesma cantiga
Da mesma canção sem refrão nem verso
É só murmúrio
Que murmura em notas o que nem sente

Lá se vão
Ele diz: "apesar dos outros, serei eu mesmo"
Enxuga a face dele, acaricia a face dela
É de manhã, e é isso apenas o que ele tem
Um bloco de palavras para divdir com o resto do mundo e do sempre
Ou do nada
Tudo

a letra seca, áspera, risca na saliva a página
virada, vidrada, cortada, sangra
a página amassada, orelhas surdas
o canto mudo que não sai, a busca do cego pelo belo
"é belo o meu cantar é belo meu cantar é belo meu cantar"
orelhas ampultadas, palavras afiadas, espinho encravado
espinha encravada, no peito, no rosto, no pedaço da página
amassada, a letra seca e Áspera

que murmura em notas o que nem se sente

Lá se vão
Ele diz: "apesar de mim, serei os outros
apesar de mim... serei eu mesmo"
O bloco de notas se aproxima do fim
O lápis mastigado sangra sua última palavra
Que teima em não escorrer para o rodapé da página

*borrão*

"Estamos tão perto de casa, daqui vejo a nossa janela"
As mãos dadas, voltam a girar e a cantar
Ela limpa o rosto dele borrado pelo borralho da sargeta
(ambos se banham do mesmo sereno)
Ainda não é chegada a hora de parar de murmurar a vida
dos que nem sentem o que é ser alguma coisa
Continua o canto teimoso: "é hora de ser feliz..."

*borrão*

Friday, August 18, 2006

Bobices

Eu preciso muito dizer...
Que sou escravo de tantos impulsos. Alguns animais, alguns racionais, outros um tanto o contrário. Eu preciso dizer que percebo o sabor dos meus próprios lábios secando. Que tenho passado a lingua no céu da minha boca que a minha saliva tem secado rápido demais. Meu suor fede mais que antes. E eu suo o meu suor barato de padaria a qualquer instante.
Tenho até pressentido milagres. Banalidades que atravessam a minha noite com um toco de vela em mãos. A cera queima a pele. A cera derrete. A vela é acesa. É noite, a luz faltou. Quer saber? A luz acabou de vez. Quando voltou eu vi um outro milagre acontecendo: estava de pé outra vez.
Eu preciso muito dizer também que ainda preciso crer naquilo que canto. Minha voz escoa, escorre, ecoa entre gotas e memórias (talvez você perceba). Fico rouco sempre, fico leucêmico de vez em quando. Mas tudo volta a cada canção. É a canção que eu quero lhe dar. É a canção que preciso dizer:
Que eu tenho tanto a doar... o meu sangue: nem tinto, nem branco, que é o mesmo que o seu. Temos o mesmo sabor amargo. Bebemos com as duas mãos da vida crua e mal fervida. E repetimos a dose. A culpa é de ninguém. Nos saboreamos ainda.

Tuesday, August 01, 2006

O Sol

Um dia nasceu por trás da janela do meu quarto
E eu esqueci de me avisar
Que era noite ainda
Que eram noite os vestígios de mim
Tanto que escureci o meu avistar
Tanto que enegreci o peito

O sol nascia de vez em quando pelas frestas das portas
As mãos tocavam-se nuas, de pele e de medo, vida sim, vida não
A linha do horizonte, torta e incompleta
Tocada e ferida é pela pedra que jogo
(Ou o mar escuro que a envolveu e carregou me leva consigo?)

Podia ser assim
Até eu mesmo aprender a andar sobre a água
Nem importa mais, agora agora
Apaguei manchas de incêndios e abraços
Julgo, volta e meia, ser árduo e difícil o aquecer desta lareira, é verdade
Até eu lembrar que a noite é brisa e passará
O vento já vai ter batido todas as portas de casa...

Trocarei as cortinas, então
Abrirei as janelas
E na próxima manhã que eu avistar
Verei amanhecer aqui dentro também.

Friday, July 28, 2006

Aqui tão longe

Eu não te quero tão perto assim
Quero uma distância bem assim, não palpável
Um ou dois anos luz
Bem longe, bem perto

É quando eu quase consigo problemas não me causar
É quando por um triz a sua alma passa rente a minha
É quando eu quase consigo problemas não te causar
É quando por um triz eu te roubo e protejo com mãos não minhas

Que sejam minhas, que seja minha
Que seja minha, que sejam minhas

É quando eu tento dizer quase tudo de improviso
É quando eu busco me apegar a simplicidades
Sem conseguir
É quando eu tento jogar tudo pro alto
E acabo jogando você também
(E lá está eu tentando te salvar de novo
E lá está você tentando nos salvar)

Há mais coisas entre um meio sorriso e um quase dar de ombros do que sonha minha vã filosofia.

-------------------

Isso aqui é uma quase canção ainda em gestação. Isso explica a estrutura mais redonda , diferente dos poemas usuais que escrevo =]

Saturday, July 22, 2006

Pela madrugada...

Eu te falei
Já anoiteceu

Todo o tempo e o tempo todo foram lá meus passos
Dei-me um nó, é verdade
Caí de cara, e a face borrada de lama que se erguia
Então...

Fica bem, está tudo bem afinal
Nem gostaria de te lembrar, nem tão cedo
Está aí, tão livre e solto
Dei-te um olhar, e em uma palavra
O olhar traduzido na palavra exata
Em cada sílaba apressada
Mas isto não é pra você
Isto não é nenhuma tentativa inprecisa de te dizer de novo o 'de novo'
É só outra porta que vejo o vento tocar e bater

Recomendo que esqueça
Já anoiteceu, já aprendi, já fervi o som do não
Quis, mesmo assim, estampar essa inquietação e essa vontade
N'um sorriso assustado
Que eu, meio por acaso, vi

Faz de conta, faz de conta
Eu... que eu... faço de conta também
Isto não é pra você
Isto é pra se ouvir calado, de luto, como em prece
O tempo já tá despedaçado mesmo
O tempo já tá derretendo aquela vela mesmo
O tempo já deu seu espetáculo, recolheu os aplausos do chão e desceu do palco mesmo
E o relógio já bateu as dez faz tempo

Já anoiteceu
É tarde... boa noite

---

(E a melhor parte é tentar não se importar com tudo isso...)

Tuesday, July 18, 2006

Interlúdio em mi maior

Estamos presenciando uma transição. Estamos dançando a valsa da vida, claro, a toda parte e a todo tempo. Mas aqui finco com um colchete este bilhete. Bem no meio, incisiva e precisamente marcado, do interlúdio. É tempo de mudança. Ouço a minha voz rouca de trastanteontem ficando mais nítida. Claro, não é sempre.

Lembrei de umas imagens curtas. Estava passando na pele minha mão banhada de dúvidas, afim de sarar eventuais chagas que vinham a tona. De mim e para mim. Estavam ali por algum tempo, ou melhor, estariam ali por algum tempo. E eu as apaguei. Nunca quis saber de deixar pra limpar depois as mãos sujas do que me envergonhava. Envergonhava-me de tudo ou quase que se referia as memórias estampadas com um "eu" bordado. Isso era o tempo também. Era outro interlúdio. Outra máscara a ser trocada.

Lembrei de um dia frio e breve. Eu, sob as cobertas, tentando evitar o frio lá de fora. Lá fora... caia um tiquinho de solidão, um tiquinho de excitação instável, um tiquinho de sorrisos misturados a areia da varanda. Os pés sujos limpam a terra da rua no tapete. Eu limpava os meus em dobro. E a janela entreaberta, que eu fechei toda a vez que ventava mais forte, estava lacrada com tábuas e pregos. Outro interlúdio. Outra máscara a ser trocada.

Lembrei de uma tarde e uma noite. Eu, distraído, contando saudades que não tive, colhendo flores de jardins alheios. Sujei minhas mãos de novo pela primeira vez. Fitei o próprio espelho com tanta impaciência desesperada, que este, trincado, me gritou. Gritou-me sobre o tempo cristalizado na retina que já não enxergava. Sobre o carnaval que passava (regojizos, danças, festas) que eu, pela janela, apenas comtemplava. Bem assim como sempre. Gritou-me sobre meu sorriso insincero, que cavara um buraco na varanda, jogando o quase cadáver do "eu" bordado lá. Que cada vez mais jogava terra para cobrí-lo. Fechei os punhos. Abri o peito. Desci as escadas do meu quarto, e fui cantar a beira da rua também. Cavei a tona todo o caminho para a superfície. Outro interlúdio. Outra máscara a ser tirada. E quebrada.

Cantei, suei, girei a roleta russa no carnaval da vida.

Estou aqui, não tão melhor do que antes. Mas completamente diferente do que eu poderia estar.

Wednesday, July 05, 2006

Acredi...


Eu acredito em anjos de papel
"Acredito nas gotas respingadas na face daquele que joga a pedra na boca da lagoa calada."
Eu acredito em restos de promessas
"Acredito naquilo que você tentava negar ser mas acabava sendo de uma forma ou outra pois não se escapa dessas coisas"
Eu acredito na minha escravidão pela inspiração
"Acredito nos rabiscos desconexos jogados ao vento por essa boca pagã com relação ao sagrado silêncio"
Eu acredito em horas que duram segundos
"Acredito que entre um abraço e algum outro apreço, o tempo se partirá em 1000, e deixará só faísca e luz restando aos olhos"
Eu acredito em verdades improvisadas
"Acredito no que você diz, quando não diz, quando pensa em dizer, quando quer dizer mas acaba nem dizendo e nem fazendo e nem e nem e nem..."
Eu acredito em chuvas secas, mas prefiro as molhadas
"Acredito na gripe que se pega no meio do banho de chuva, bem aquela dos filmes, bem aquela direta que penetra a pele como se tocasse teu peito por dentro num único aperto, num único sufoco, d'um único jeito, que não vai largar tão cedo, ou tão nunca"
Eu acredito em anjos de papel
E em anjos de vestidos de rosa
E em anjos que tocam a campanhia ou o telefone na hora certa.
E te levam para onde não deveria ter saído.

Wednesday, June 28, 2006

Agora. Ontem. Depois.
















Hoje.
Cada palavra podia ser a última.
O amor não passa pela porta entrefechada.
Desatento e com disritmia.
Eu aqui, fecho as mãos mentalmente.
Uma prece caladamente cínica.
Dentro do breu de minhas janelas fechadas.
Busquei alguma ilha.
Do breu que busco aquele mito desbotado e gasto.
Fé.
O resto acaba sendo a sobra do real e virtual.
Eu.
Escrever, encravar, escarrar.
Tanta disritmia nos segundos que conto.
Bastardos ponteiros imprecisos.
Frustrada saliva seca.
Infeliz linha torta do horizonte.
A meia noite chegou mais cedo.
A porta estava fechada.
Não.
Entreaberta.
O amor saiu pela porta entreaberta.
Mas nem vi ele entrar.
Cada palavra foi a última.

Tuesday, June 27, 2006

Tão pouco

Nenhuma razão aparente
O livro caiu com página aberta na cabeceira
As chaves frias caíram no chão
Nenhuma porta foi aberta

De baixo da mesa tem um tiquinho de vaidade que
Devaneia, vizinha de poeiras e rascunhos esquecidos
É, é tanto tudo isso, é tanto em tão pouco
Há tempos que o muito assusta, por isso
Esquecidos e empoeirados verbos e versos
Encolhem-se em sargetas inconscientes

Tudo em tão pouco
Só porque eu esqueci de dar um nome ao que sentia

Nenhum motivo coerente
As páginas picotadas a mão, e então, no cesto
Os olhares pálidos miraram o chão
Nenhuma janela foi aberta
Nenhuma porta foi avistada
Nenhuma campanhia tocada
Nenhum bom dia foi...

"Quer entrar?".

Friday, June 23, 2006

Tédio e Pensamento (Ou tédio até o pensamento; Ou produto interno bruto).

Tô sem nada pra escrever.

Estou até com calos nas pontas dos dedos. Mas, óbvio, nem é de escrever. É de bater na superfície da mesa mesmo. É para atravessar, com som oco e áspero, a indiferença das paredes do meu quarto. Olha só! Escrevi um verso de poema. Vou anotar esse. E mais esse. E aquele ali escondidinho na poeira do meu violão sem cordas. E aquele outro, encolhido na cova do sorriso dela. São versos. Principalmente o são por eu sequer julgá-los próprios para versificar. Só versifico. Nem somo um mais um, e já sei que vai dar três. Não importa porquê. Dá três e pronto. E não discuta com minha teimosia de velho. Sou ranzinza, sim, sim e sim. Pouco me importo. Muito me importo. Já até pensei em tirar esse tapete do quarto. Já até pensei em trocar a roupa de cama. Pensei e pensei. Acho que foi aqui que bateu o problema. Eu pensei! Ó deuses cegos e mancos, eu pensei! EU PENSEI MERDA. Não devia ter pensado. Não devia ter jogado aquela coleção de quadrinhos fora. Não devia ter vendido os meus cd's do Bon Jovi (ou devia?). Não devia ter deixado de agarrar a mão daquela senhorita quando tive a chance. A moça passou, o sinal se abriu. E eu fiquei aqui. Com o tal do pensamento. Mas eu acho que pensamento não se beija. Eu acho que pensamento não se abraça ou apalpa. Eu acho que pensamento não emite cheiro. Insípido, inodoro, incolor. Que nem água. Água lava, porém. Pensamento, nem sempre. Eu fiquei com ele enroscado nas unhas. Tá bem aqui. Eu acho que ainda arrebento uma corda de violão com ele. Intrometido. Teimoso. Analgésico, é verdade. E ainda assim pesado, cru. Pesa fundo no estômago pensar na chuva que passou. Desde que nem gata no cio pela garganta. E chega lá, todo pesado. Demais pra si mesmo. Crente que veio na hora certa iluminar a coisa certa. Acender a luz certa. Ops, tomada errada. Ah. Agora sim, tomada certa. Cadê a lâmpada? Roubaram as lâmpadas da varanda! Onde esse mundo vai parar... Pensando!? De certo que... talvez. Pensei o bastante por alguns instantes. Agora estou me lichando para pensar de novo. Vou tirar férias. Vou esticar as pernas. Vou escrever poemas sem títulos. Sem meio nem fim. Acho que vou demitir o meu patrão. Acho que vou pôr meu pensamento na rua. Só espero que ele saiba atravessa-la. Olha só, olhe dos dois lados viu!?

Ainda tô sem nada pra escrever.
Ok. E...?

Sunday, June 18, 2006

Vagalume






















Um lago
Impassível
Escuro
É noite, e reflexos, e pontos de luz
Desconcentrados e indecisos
Vagueiam na penumbra beira lago.
Sopra o vento um sussurro inquieto
Até intrépido pra uns, talvez
Esbarra n'uns vagalumes desatentos e desacordados
Vazios pelos espaços de suas próprias distâncias
Até que
Acordam
E surpresa!
A noite ainda não clareou-se
'Era cedo ou era tarde?'
'O tempo ainda não definiu-se'
'O fim pode estar começando'
'O início pode estar terminando'
E os vagalumes dispersos e sôfregos
Embaralham-se entre si por um momento
Até acalmarem-se
Nesse purgatório-nanquim-sem-fim
Até então inquietarem-se
Ao notar que o sem-fim é sem fim
Nas palavras e nos atos

Foge fino, 'silêncio'
Um deles, vagalumes
Vagueante vagalume como os outros
Entoteia-se, ao mirar e seguir os próprios passos
Sem pés, sem pernas, sem passos
Contudo, passos
'É um brilho ofuscante este aqui no seio
Aqui vou eu pra algum lugar'
Segue firme
Cambaleante
Firme
Cambaleante
Segue
Sua própria luz o entretêm
Esquece-se do além disso
Os além disso que divagueiam por aí
Esquece-se, contudo, por bem pouco, é verdade
Tempo, pouco tempo
E muitos passos sem passos depois
Vira-se
Não distingue exatamente o que é
O que é?
Não é uma, é a...

Vê a luz, brevemente translúcida
Indiscreta, sem pudor
Movendo-lhe os lábios e as pálpebras
Aquecendo-lhe o peito desavergonhadamente
Acalantamente
Aconchegantemente
Tão incompreensivamente
Que transcedeu o antes intranscendível
.
.
.
Tão incompreensivamente
Que o peito quis fechar
.
.
.
E o fechou por final.

Resolve mirar o lago uma vez
Este, impassivel
Ao contrário da intrigante luz
Nada manisfestava diante do vagalume
Nada
Nada
nada
e
que
mesmo
assim
o mirou de novo e de novo
até decidir enfim
mergulhar
deixar a luz
e sem sequer despedir-se dos amigos de leito
mergulha...

Até que enfim foram embora a noite e o purgatório-nanquim-sem-fim.

Thursday, June 15, 2006

Nós três

Estou fora de casa
Um rosto sem sono escorrega entre as brechas da impassividade mal fingida
E olha que não são poucas
E olha que são mais largas do que parecem

Eu quero me acordar do frio
Eu quero adormecer antes de escurecer
Eu quero me desintegrar com água corrente
(As vitrines já maquiadas de trapo novo nem me comovem
Os manequins suando o fedido encardido nem me convencem
Os pierrots sem lábios e sem dentes nem me assustam mais)

Nós três: olhando para os quatro lados da rua antes de atravessar
Nós três: de braços dados, sem correr, sem tremer, sem enraivecer
Nós três: chutando e quicando nossas vidas não vividas há tempos

Estou fora de casa
Vestindo a máscara que usei carnaval retrasado
Vestindo a perspectiva que sempre tentei usar antes
Mas que não estava a venda

Estou fora de casa
E tudo o que eu quero é acreditar
Que um dia já estive.

Monday, June 12, 2006

Dois nomes sob o sussurro gritado que ainda não se fez ouvir.


Interlúdio


"Canta canta canta,
Nem o desencanto, nem o medo
Canta de dia, ao dia, o dia
A felicidade que chega cedo, cedo, cedo"

Allegro breve
Risos e regojizos
Danças de roda
Rodas sem fortunas
De mãos dadas
Girando girando
Eu caio, tu cais
Ambos cairão
A nuvem passou
Sem dizer adeus

"Vou fazer de conta que estou a pé
Vou engatinhar o caminho de volta
Vou abrir a porta, e fecha-la. Mas não vou entrar em casa
Vou virar as costas.
Vou voltar pra onde ainda não estive
Vou chegar no meu, só meu, só meu, e teu, só teu, só teu... lugar algum.
Eu vou...
Tú vais
(Não vais?)"

Erguem-se aparatosas
Olham-se rápido
Riem riem
D'um entrelace...
Só ninguém entende
Dão as mãos de novo
Giram a roda sem fortuna
Caimos, caíra
A nuvem passará tão crédula
Sem dizer adeus
A cantiga é leve
A dança segue
Risos e desencantos
Dissolvem-se
Misturam-se
Breve alegria
Na infinda dança.

"Canta, canta, canta
A lis de cor esperança
Ali e aqui e agora
Canta, canta, canta
Teus ritos de sabor criança
Aqui e ali e vida afora."


O Adeus Que Sempre Estará Aqui

Eu não vou me rasgar feito um envelope de carta velho
Eu vou é me inspirar depois da meia noite
Tacar meia dúzia de rancores e paixões
Em gritos ensurdecedores gemedores agoniantes
Eu vou é lembrar do adeus de quem sempre estará aqui

Eu não vou me fechar feito um envelope velho de carta não mandada pra ninguém
Eu vou é me respirar, asfixar-me n'um beco, sufoca-la n'aquele rio
Eu vou é enterrar esta cruz de madeira velha mal esculpida
Gritarei a minha desafinez e sem nem um pouco de inocência
Roubar a mão dela
Eu vou é me embora com a mão dela
E com o resto do que restar e não restar também
Eu vou é me embora com ela

Eu não vou me enterrar feito um envelope estancado esquecido escancarado escarrado
Eu vou é expirar, selar, desinterrar, expurgar, anistiar
Vou dizer adeus aos meus 'adeuses' que me rodeiam e assombram
Eu vou é ir me embora sob o som daquela canção
Vou cuspir, vomitar as salutências
Eu vou é falar mais sobre o que nem sei
Sobre candice, sobre bitolice, sobre sandice
E ainda mais e mais sobre que eu sei que penso que sei
Sobre o que eu quis, quero e vou querer
Eu vou é me embora com a mão e o rosto e a boca e a voz e o riso dela
Com a gargalhada, com a afobação, com o repente
Com aquele segundo expremido e apertado e abraçado
Nos braços e nos abraços

E tudo aquilo que restou e não restou
E tudo aquilo que eu disse e não disse e quis dizer mas não disse por ter algo a dizer
E tudo aquilo que eu fiz e desfiz e refiz e desfiz e refiz e faço e faço
E tudo vai assim como está
É que estou tão a flor da pele
Que eu vou mesmo é...
Me rasgar feito um envelope de carta velho
E eu vou rasga-la e lê-la e beber dela também feito um último momento do eterno penúltimo adeus.

Friday, June 09, 2006

Ruas e Ruas




Ando por ruas despavimentadas
Sob os pés dessolados
Respiro um pouco, bem pouco, de ar alheio
Rodeio a desatenção a portas fechadas
Fecho o peito pelo frio
Enquanto carregava de dispersão
As letras costuradas e remendadas, bem aqui
Pois é tão simples dissumular a sinceridade
Tão limpo se sujar com a poeira dos dias
Que as ruas sem fim se multiplicam
E dos sem fim se fazem becos
Sem saída, sem entrada

Só parece ter razão aquele
Que trancou bem, tão bem, as portas antes de sair
Que nem ninguém, nem ele, pode voltar

Só parece estar certa esta despedida
De costas, d'um repente inssoso
Do meio sorrir, do meio cantar

Dos buracos em cada quarteirão
Caí, n'outros tantos
Fiz d'outros prazer
D'outros vexame
Sem nome caminhei
Mas e então?
É hora de fechar o livro
Estender na janela p'ra secar
As letras remendadas e costuradas
O sol bate, e o beco desolhado desmorona
Contudo ainda não sei p'ra onde tudo e nada vai levar.

Friday, June 02, 2006

Compasso perdido

Se me sobrasse inspiração
Eu escrevia uma carta de cem palavras
Sem palavras pra você
Eu atava um laço da minha manhã a tua
Eu talhava setecentos sonetos
Cem para cada vestígio de alegria descompromissada
Que você deixou aqui quando sorriu

Se me sobrasse tempo
Eu corria com um traço só as paredes da casa
Um oceano rosa verde fluorescente
Com o pincel e a tinta suas
Ora mais pálidas, ora mais vivas
Que tanto aparecem e desaparecem nesses desenlaces
E reenlaces

Se me sobrasse assanhamento
Eu ensaiava uns passos desajeitados
Uma valsa em quatro por quatro
Pisava umas cinco vezes nos seus pés
Caia contigo, descompassado
E lhe dava a mão...
Com todo o cinismo de quem ainda faz um favor

Se me sobrasse atenção
Eu recitava só de memória todos os versos
Daquela canção que você tanto canta
Mas que só lembra o refrão

Se me sobrasse alento
Eu jogava pela janela a minha distância
Eu jogava pela janela a minha
Eu jogava pela janela...

Se me sobrasse as horas, e os dias e as estações
Eu parava debaixo daquela árvore
Fingindo ler um livro qualquer
Mas estaria só esperando você passar
Pra lhe dizer 'boa tarde'
Ou nada mesmo

Se me sobrasse mais de mim mesmo
Eu espalhava, pelo ar, tudo num quê sem porquê
Os versos imaturos e indiscretos que sempre escrevi
E riria deles, ao observa-los se debater fora d'água
E sorriria ao ver você rir da mesma forma
Afinal, ainda somos todos uns tolos, burros, ingênuos, que querem viver e ser felizes
Mas fingem que não.

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Ao som de: Inside Out - Pain Of Salvation

Tuesday, May 30, 2006

Vontade

"Por que não me sento de costas
Arrasto o papel ao meu lado
Estanco-o, tinjo-o, moldo-o ao final dado
Deixo escorrer grafite das veias já expostas"

Há algo chamado tempo, que rodeia
Há algo dissolvido aqui, em minha saliva
Amarga, cancerígena, avidez inativa
Espalhada no vulto rastro da candeia

Madrugada a fora, madrugada a dentro
Madrugo as sensações de desgosto
Hora é de, é hora de dizer e crer

É hora de virar as costas, ao centro
De eu, que iludo todo o meu querer imposto
O estar breve limpo, o limpo breve ter

O suor que disfarcei enquanto a sombra
A lágrima de naquim que pintei em meus escombros
A falta de vontade de correr entre as minhas próprias mal traçadas linhas
Só não tropecem por favor em meus pedaços que ficaram pelo caminho

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Essa é para ninguém entender mesmo.

Ao som de: A Change Of Seasons - Dream Theater

Saturday, May 27, 2006

Soneto primeiro segundo

Por mais recluso e envolto que eu esteja
Frio, imaterial, onipresente
Sob mim e sobre mim (e tu sentes?)
Pesando o peso das palavras, veja:

Madrugada, quando em voz alta, pensa
Silenciosamente, até o teto
Interpenetra-se, da cova ao feto
Dias: "O que é de mim além da crença?

O que é de mim além dessa implosão
Entre angústia e tanta intemperança
Inconstância e tão tola imprudência?

Estou aqui, entre o peso: minha mão
E a piedade: vácuos da esperança
Dá-me a harmonia pela inconciência"



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Escrito sob o som de:

Não lembro, provavelmente Ayreon - The Human Equation


Wednesday, May 24, 2006

Soneto à Chuva




Que gélida esteja a pele, sim, virgem
Toque, tangível, insensível de ontem
Hoje, e ontem, o secar, estopim
Folhas, dispersas, "as rédeas que as soltem"

Seco aqui, n'alguma marquise escondo
Corpo, repele, impermeável, tempo
A chuva, a boca, aos relances, estrondos
Tremem, lábios, pêlos, saliva, membros

Passa, carro, transeunte, onda, tão
Intocável, enquanto, quanto, quanto
A jovem, rósea, distraída, espanto

Molha, meio vestido, meia atração
Toda rédea, arrebenta, e a batida
Coração, cruza, entrelaça e ó vida

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Escrito:

d-.-b sob o som de "Concerto Para Piano Nº 2 em Fá menor, Op. 21" de "Chopin"
Em 2006.05.24