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as nuvens se formam e chovem em cima de mim e me pego falando em voz alta, achando que você estará atrás da porta esperando eu te dizer para sair de uma vez. o quarto está vazio, e a televisão está ligada para ninguém assistir. as coisas estão organizadas finalmente após milênios, só para quando você voltar de uma vez novamente, e eu espero que ainda não seja a última, e que ainda hajam muitas e muitas, mesmo sabendo que um dia só o que vai voltar são as más impressões, meu nome que ouvirei sem ninguém ter me chamado, o telefone tocando sem... eu me pego assim com os braços doendo e a cabeça fumegando cansaço e dor, e encaro o teto vezes o suficiente para me certificar de que ele será o mesmo pelas próximas horas. começo a suar, ainda que esteja, como disse, frio, e que as janelas estejam sempre abertas, e vou tirar comida da geladeira para fechá-la logo em seguida, afim de ter a sensação de no momento que eu bato a porta dela, será você virando a chave e trancando a rua do lado de fora. aumento o volume do aparelho de som, e começo a cantar distraidamente, ainda que em momento algum eu realmente esqueça totalmente de mim ou de você. eu realmente espero a cada instante tomar um susto com você já trocando de roupa e rindo da minha cara enquanto banco a retardada me fazendo de Janis... só que dessa vez sem sustos, ok?
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e eu te digo bom dia, e você está se encaminhando para o outro lado da sala, com alguma cara que me é desconhecida e planejo te perguntar o que é mas desfaço a pergunta. a semana se passa e a sua cara se repete e as perguntas continuam se desfazendo. eu te pego pela mão e sorrio, e lembro que você sequer veio hoje. dou de cara com os braços vazios à sua porta e digo que não vamos mais matar aula para sua mãe, e que sinto muito, sem saber o que sentir. porém, parece que foi você que tinha aberto, e foi você que disse "eu também". foi para o seu quarto que fomos assistir desenho animado, e a sua mãe só bateu a porta trazendo pipoca e guaraná. e na hora da saída te pergunto dele, e você diz que jamais, e juntas repetimos, "jamais", conforme nós vestimos nossos casacos de novo, e você me promete guardar segredo, e eu prometo e guardo. e nos juramos abraços que saberíamos negar no futuro, ainda que você tenha se saído muito melhor que eu quanto a...
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o telefone quer tocar, e eu sei. eu penso em ligar para ela, ainda que sejam anos sem notícias. os anos de silêncio que eu insisto em esconder aqui. de quando guardávamos juntas o que temíamos e cavávamos, e enterrávamos juntas nos nossos quintais o que tínhamos de mágoa e desespero. agora me é impossível medir o quê e o quanto nos separa. eu grito para dentro tão rouca o que quero dizer pra ela, que me arrependia de ter implodido tantas pontes e cartas, e que se você se for eu só terei a ela, e às vezes acho que ela deve ter me esquecido, embora saiba que isso seja impossível. por mais que eu merecesse. e eu acho que sempre vou precisar del... e você não chega e eu começo a te odiar. e à essa altura eu realmente já estarei te odiando. ainda mais do que eu o faço agora e muito menos do que você mereceria. e os telefones passam as próximas semanas e meses sem tocar, e eu enfim já tinha desistido.
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queria que você estivesse aqui. ele nunca.
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eu acordo nessa manhã lembrando que daqui a pouco você não estará, e sinto uma saudade com gosto de desespero. um desejo com angústia e pressa de aproveitar e estar aí contigo e de ter perdoados, em um abraço, de antemão, os pecados que eu sei que lhe vou cometer nos próximos anos. sinto que quando te ver eu aproveitarei de forma fútil, inconseqüente e medrosa o tempo que tivermos, e vou lhe dizer "não" vezes demais. e agora-agora? o que posso querer é que você esteja dentro de mim até a consciência de quem eu sou se apague completamente. eu acho.
e, e eu acho que acho que é só saudade. e espero mesmo que seja só.