Sunday, May 24, 2009

(por favor, sem desespero, eu juro que esse post disserta acerca de um conteúdo otimista):

sempre trabalhem com a possibilidade de serem amados por nada e ninguém.

Sunday, May 17, 2009

no ritorna più

I

o poeta estava passeando de mão dada com minha solidão
acenava pela janela do ônibus uma semi-conhecida que beijava
o vento, dedicando seu sorriso ao resto de céu azul que esvaziava a minha tarde
outros poetas, mancos e manetas, jamais escreveram um poema
e detestavam ser citados em notas de rodapé, em livros de auto-ajuda
os outros poetas eram como ele, afinal, e dedicavam as sobras do sol ao prazer barato de caminhar sozinho antes das primeiras estrelas dizerem 'oi' (ainda que haja estrelas e estrelas)

II

voltando ao ponto de partida, odiava com um ódio seco como sua tosse tísica ser lembrado por tanto tempo sem ter feito nada que considerasse adjetivo nato de prazer e ria de si e do espelho pendurado no teto do hotel barato onde dorme enfim sentindo-se bem ao ouvir dos quartos ao lado gritos de desespero, choro, gozo, e se lembra da noite passada, dividia no colo quente outra lembrança, que daqui umas horas já também lembraria menos, se rubra, se morena, se indígena, se afro-descendente, se iguais, iguais, iguais

iguais, e abrindo a porta do quarto, e dirigindo-se a rua vazia de lembranças
sentia-se novo, são, salvo, a lata que chutava com força batia forte como devia na parede
voltava com força dobrada reduzida, e passava por esquinas onde já sentara e adormecera em vidas passadas, e a noite pela metade consigo assim desacompanhava tais memórias, por vezes correndo em desespero, para ter certeza de que deixara-as para trás à uma distância segura.

...que fosse escura a avenida prestes a acabar, escura o bastante para ser impossível ler na próxima placa a palavra "Retorno"

III

o tempo passaria em breve, e em breve seria a lua tua, no assento de casa
no choro do próprio cão, do beber da própria água e estancar as próprias manchas de sangue no vestido dela, para ouvir do passado como que agora dizer:
"já esqueci que tinha pressa e esperança de estar aqui"
diz lhe ainda que vida e dor passam, e diz me também, o poeta, que dos rostos que me rodeiam agora nesse metrô tenho receio e dúvida, pois sei que jamais verei uma vez mais nenhum deles e eu rabisco os versos que evitarei de ler da próxima vez, mesmo sabendo que jamais voltarei a tocar estas páginas, e detesto, protesto, infesto minha saliva de pressa e angústia... daí enfio meu sorriso no peito com pressa e escondo, sufoco meu amor até que ele seja um gole só de raiva, jogo o livro já sem capa dentro da mochila, levanto como se tivesse descoberto derepentemente ter esquecido um compromisso inadiável no sentido oposto para o qual eu estava me encaminhando até um minuto atrás.

erro o ônibus, desço a estação errada, me atraso e desencontro de quem...

...

...da viagem que retorno, da saída que se traça pisando quando pisa o lar
digo que tenho certeza apenas da pena que sinto de mim, e me digo, do alto do meu cinismo
que a odeio pela mesma razão estúpida que um mendigo, ao ser cagado por um pombo, tem por este que defeca.

e diria mais se o sono me arremessasse ao despertar ao invés de

IV

passa rápido a jovem que se joga nos braços apaixonados e desconhecidos do amante
e juram jurar as juras mais sinceras que alguém possa proferir por entre as paredes desse cinema nessa sessão deste mesmo horário e dia de agora
disso ele, o poeta, pensa um verso belo, e recita para si, mas acha-o breve e futil, e engole o cuspe dentro do próximo trago de vaidade, mas dita aqui, nestas páginas amassadas, da vista prensada se pressionando a ler o que está faltando, e diz depois que o que há de mais precioso para se guardar da vida é o amor que se viveu, mesmo se este se sepulta há muito mais tempo do que a vida que se segue depois dele, mesmo que a suposta fila referida anteriormente já tenha andado, esvaziado, preenchido-se novamente, e desertificado-se outra vez mais e me ri o desdém que guarda para essas horas, e aponta pra tela do cinema mudo ditando no final da estrofe: "há mais palavras num filme de Chaplin que sentido na vida de 99% das pessoas nessa sala, contando com o projecionista, e, claro, a mim mesmo, aqui, ditando o talvez e o incerto de tantas coisas que faço de conta que vivo. só faça de conta que me lê e fica tudo por isso mesmo."

daí, acho que concordo e viro pro lado, e concorda também o casal que citei, agora prestes a silenciosamente transar de tédio, e a sessão interminável termina e esqueço a razão de tanto desespero até a próxima...

(...)

V

quando sou obrigado a beber a água que cai do teto de casa eu chego a conclusão que estou preso, imóvel e mexo meu corpo com força e o que eu consigo é correr (deixando meu corpo para trás) para os braços de minha mãe, por mais que ela esteja fora de casa, em festas que sempre me convida só para ouvir o som do meu desprezo e

VI

e do susto despertamos, eu e a melancolia de uma civilização inteira
acenava pela tela da televisão a jovem de cabelos cacheados rubros, beijando sem paixão, como quem está a pensar em outra coisa, como quem se despede de um desconhecido, e a madrugada inteira saía caladamente pela porta da frente.

o frio e o vão azul claro que escapam e espreitam pela veneziana esvaziam minha noite passada, pois, às 7 horas, o mundo vai ter de voltar a girar, e encarar de frente a vergonha à luz do dia, íris na íris, e por mais que, infortunamente, tenha que fazê-lo pela raza perspectiva minha, o que nos resta a essa altura é a resignação que cultivam os doentes terminais daquele hospital no meio da Avenida Rio Branco.

Thursday, May 14, 2009

Sonata

Ela: à beira da janela, sem aliança
O sol já fazia de conta o seu desprezo
E vice e versa, quietas, palavra e ela

A manhã ensaia o passo de sua dança
última, pressa dissonante, desapreço
Cantara antes da banda o amor à capela

Queria logo ser o colo, a madrugada
sem interlúdio vespertino ou meio dia
Amar de um gole só o sereno por vir

Porém, brotará tais esperanças, que fada?
Se entre ambos os atos destas vidas havia
Mais horizontes que o oceano ia suprir

Sunday, May 10, 2009

9 dicas pra poetas pós-modernos que fingem que não o são, ou pretendem um dia sê-los para fingí-los não sê-los

[insira aqui uma frase de efeito, se inspire em nicks de msn. "a vida é como um filme em preto e branco cujos atores se comportam como se tudo fosse colorido". faça de conta que foi extremamente pensado e filosofado, quando tudo o que você fez foi falar a primeira coisa sem noção que lhe veio à cabeça]

[insira aqui uma estrofe inteira com adjetivos óbvios e nomes comuns. mas finja que não são. "amor desnudo", "chuva cinza", "riso pálido", "olhos de faísca" são boas dicas]

[aqui é a hora que você fará trocadilhos idiossincráticos, como "cuscuz" com "avestruz", e "tatue" seguido de "menstrue", pra provar sua mente aberta às pós-modernidades]

[escreva todos os seus textos em letras minúsculas. estamos na era da internet, então você precisa propagar a idéia de que na "contemporaneidade a língua enfim se faz livre das amarras de uma sociedade opressora que..." é isso aí]

[quando passar da fase dos adjetivos óbvios e nomes banais, faça metáforas que ninguém compreende. como "a vida inteira passa em canos enferrujados e minhas lágrimas são chuva ácida." e justifique isso com uma afirmativa como "a verdadeira poesia vai além dos alicerces da razão" ou algo do gênero]

[tenha a afirmativa citada anteriormente salva no seu "ctrl+c" e anotada na penúltima folha do seu caderno. para emergências]

[faça textos idiotas e irônicos divididos em tópicos diferentes. pode ser uma receita de bolo disfarçada ou um passo-passo para qualquer coisa. isso também é original e pós-moderno. pra ser mais cool ainda, diga que é um poema com um olhar crítico da civilização ocidental disfarçado com uma pequena influencia de humor britânico, à la Monty Phyton. (nossa, boa, vou anotar isso...)]

[escreva títulos longos e versos assimétricos para seus poemas. para demonstrar sua versatilidade, depois, escreva sonetos de métrica incorreta. justifique o equivoco com o mesmo papo sobre "pós-modernidade liberta o individuo contemporâneo..." blablablá. use essa mesma desculpa esfarrapada pra justificar seus erros gramaticais]

[compre meia dúzia e meia de dor e amadurecimento no mercado livre. reze para não darem um lance maior que o seu antes das 2 horas da tarde do próximo sábado, senão...]
identificar-se com o que os outros escrevem, poesia, conto, etc, pra mim, seria como achar graça do cheiro de merda alheia. digo, ja dizia o ditado, peido a gente só aguenta o nosso, né?

[da serie eu gosto do óbvio, parte...12, sei lá]
(quando se coloca pra editar algo aqui no blog, aparecem 4 abas no canto superior da tela, "Postagem, Configurações, blablabla". na aba 'Postagem', existem outras 3 sub-abas, dentre elas, a primeira, que eu me referirei a seguir.)

acho tão metafísico esse botão estampando a palavra "Criar", na primeira sub-aba da sessão de "Postagem". juro, tanto por ele vir de cara, a primeira e imponente opção, quanto, mas principalmente por dele vir, justamente, a derradeira e única saída para a produção e publicação de textos. tá, e? é que eu vejo muito peso no verbo "criar", e, talvez só veja e sinta tal peso em outro verbo, o "amar", provavelmente por razões bem similares... talvez eu acredite que ambos os verbos criem, em um sentido mais abstrato, mas em espécies diferentes. um, coisas 'inanimadas' além do indíviduo, outro, 'laços' entre coisas animadas, também além dele (embora muita gente ame coisas de existência pessoal, sem vida, literalmente, como amar um carro ou uma pia entupida, mas isso é outra história, pois pra mim estão apenas exteriorizando um pedaço de si no objeto x e ali...ENFIM, isso é outra história. e pro inferno minha achologia limitada).

dai garoam as perguntas... e os filhos? se criam? só se utilizar-se da etimologia "cuidar", associando seu sentido ao verbo que me refiro. porque parir um filho é diferente de "criar" um. na verdade a própria noção de criatura criada (nós) já traz por definição o ato de dar a luz por união sexual e/ou amorosa de um novo ser. nada está sendo criado nesse sentido, apenas está sendo efetivada a continuidade da criação em seus termos "contratuais", digamos. se fôssemos tão poderosos assim, poderíamos parir crianças com rabo de porco, como no romance de Garcia Marquez, ou eu poderia optar por criar um rinoceronte africano com minha futura esposa (que provavelmente me mandaria pro inferno ou exigiria um divórcio logo que eu tenha proposto isso à ela).

outra pergunta: qualquer tipo de criação leva a um elo de exteriorização do indíviduo? talvez, sei lá. eu posso criar algo dentro de mim mesmo e fazer isso brotar? sim, isso é o sentido da criação "artística", naquele papo metafísico que endeusa quem produz qualquer tipo de arte. mas e se criar algo dentro de si e isso continuar confinado lá, terá sido isso, nessas condições, criado? e se eu disser que criei, que amei, que fiz um cadinho a mais de vida partindo de mim, sem ter botado pra fora, seja em forma de discurso oral, ou em poema, conto, babaquice. alguém acreditaria? poderia clicar no botão "Criar" e dizer: "pensei num poema. eu juro"? vocês acreditariam em mim?

Friday, May 01, 2009

sorrio a vida de pouco em pouco porque me faz bem
ser parcelado, desapressado, descompromisso contigo
que ei de levar prum outro plano, babe
num outro plano estaremos de braços dados
embora você se apresse pro amor dado
então você se aquece e joga os dados
seu cheiro, lavanda, e outros nomes com anda
vai, vai duma vez que já o amor desanda
sai mais com pressa que receio, vai
antes, antes que eu te chame de luanda, amanda
leva essa sofreguidão pra lá que aqui eu quero tua mão
não o teu bilhete de volto logo nunca beijos
quero sorrir a calma de cantar lado a lado essa miragem viva
mero sorrir da alma, andar despedaçada essa coragem fina
se engrandecendo diante do teu medo e da sua fuga em ré menor
se repetalando tão inversamente proporcional ao teu adeus

cedendo e minto: estou e vou calmo esquecendo a vida
que ela me esquece e somos dois: corpos ao vento e ao sol
sombra e grão, horizonte me perpendicula, firmamento se acima
caia por mim sua tempestade de areia que a visto inteira