Monday, January 15, 2007

Ela e a Inspiração Dela.

A garotinha queria escrever, sabe? Mas estava sem inspiração. Rabiscava com seu compasso e com a ponta da lapiseira sem ponta a superfície do papel. Rasgava-a, na verdade. Chegava a arranhar a mesa de madeira, até. “Merda!”, pensava, sem censuras. Na verdade, sem ninguém para censurá-la. “Quero escrever! Preciso escrever! Estou morrendo, e não sai uma porra d’uma palavra da minha cabeça!”. A situação deixava a menina inquieta, como vocês podem ver...

O ócio, o mal de nossa geração, e o silêncio, outro mal, mas não só de nossa geração, fazia-a lembrar de seus primeiros poemas. Tortinhos, com rimas óbvias. Porém, dela. Todos dela. Os sentimentozinhos, correndo naquele coraçãozinho, tudinho à flor da pele e alma. Lembrou daquele soneto, seu primeiro, sobre a chuva. Escorria da janela muita água. Do teto, despencavam goteiras. “Ó, a nossa casa era humilde. E eu era tão feliz. Só não sabia. Bosta...” E lá foram os versos... Um, dois... decassílabos! Um par... dois pares... sete pares... Pronto! Lá estava seu primeiro soneto, “Ode À Garoa”. Como ficara orgulhosa de si.

Esta noite, contudo, fedia a óleo. A casa era grande, a porta saia para a Avenida X., e os carros cortavam-na à velocidade do som... ou da luz. Tanto fazia. O cheiro de óleo queimado, do dióxido de carbono espalhado, já começara a entranhar em sua pele. E aquilo “desinspirava” a jovenzinha. Além de lhe encher de dores de cabeça. Queria campos, verdejantes, com vacas a pastar. Esconder-se naquele sítio que a vovó tinha. Queria, também, voltar àquela casa de praia, aonde tinha ido com o ex-marido o verão passado. “As crianças tinham adorado...“.

A cozinha era espaçosa demais. “Eu vou enforcar esse corretor de imóveis. Nunca compre uma casa grande quando você vai se mudar sozinha”. Barulho da água batendo no fundo do copo era companhia dela, das aranhas nos cantos das paredes e das poucas baratas escondidas sob o armário. “Em dias bons, eu comporia uma prosa inteira, simplesmente dissertando sobre o quanto o eco de um ruído idiota numa cozinha pode ser barulhento quando se está sozinha em casa”. Sem perceber, tentou se equilibrar num pé só, fingindo ser Saci. Pulou duas vezes, sem cair. E orgulhou-se, também.

Sentada, novamente, à mesa, ajeitou o abajur, espreitou o bloco de papel, e tomou nota sobre o que acabara de pensar. “Vou dissertar futuramente sobre o eco da cozi...” E de repente rasgou o papel. Tivera uma genial idéia. A inspiração, aparentemente, voltara de supetão. “Vou falar sobre goteiras, isso! O jovem morava no segundo andar de um prédio de 20 andares! E goteiras de chuva caiam no meio da sua sala de estar! E...”. Os carros continuavam passando, como loucos, do outro lado da rua. O cheiro ainda era podre. Para os padrões dela, ao menos. Porém a menina se sentara, puxara, com sede, o papel e lápis, e mergulhara a escrever. Os seus olhos brilhavam tanto, que parecia aquela mesma “Liginha”, que acompanhada de sua excitação, abria a embalagem vermelha, cercada de durex, separando-a de sua tão sonhada boneca da Cinderela... Os olhos brilhavam tanto, que lembravam muito de perto, a mesma “Lí” que acompanhada de sua inquietação, ouvira do namorado as palavras “casar” e “comigo” numa mesma sentença... Brilhavam tanto, que nem parecia a mesma Lígia, acompanhada, agora, apenas de seus 35...

2 comments:

  1. Anonymous6:30 PM

    oie
    mt lindo
    o primeiro paragrafo eh uma descriçao minha auhauhauhuah XD
    *****;

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  2. Anonymous3:20 AM

    pois é, tbm me identifico um pouco com a Li. normal...

    incrível como vc conduziu o texto, fazendo a menina crescer gradativamente durante a narrativa, sem jamais ter sido menina...

    e incrível como vc se sai tão bem na poesia quanto na prosa.
    será que vou ter que te arrumar um patrocinador??? rssss

    beijoca ;*

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