“Há certas coisas na vida que, se nos dedicarmos demais para que tenham sucesso, terminam em desastre, e nada, nada, e...” Ela olha para ela com sobrancelha arqueada, e a interrompe bruscamente: “Como?”. Ela responde para ela, com leve impaciência. “Isso mesmo. Quando você tentar perseguir demais algo que, racionalmente tenha tudo pra dar certo, você não chega a lugar algum.” Ela aumenta ainda mais a expressão grave de dúvida e insiste para ela: “Porque você está ME dizendo isso?” E ela “Não seja megalomaníaca, e, ou, ou, e egocêntrica. Falo de... Veja, da última vez, aquela... Conte me, como sucedeu.”. Ela...” Ahn?”. Ela... “Como as coisas ‘coisaram’, você chegou junto, ou o contrário, ou vice e versa, o primeiro assunto, o que tinha em comum...” Desanuveando, pouco que seja, o rosto, ela começa: “Ah tá... A verdade é que nada tínhamos em comum. Só aquela ligação estranha, intangível, sei lá. Olhávamos eu, ela, a troca, e percebíamos algum pedaço em comum, em um lugar distante dentro de cada uma, poetizando... “ Tossiu... “... poetizando, havia uma luz de mesma cor, reverberando o mesmo brilho, no farol mais longuinquo de cada uma, na ilha mais escondida por entre as sombras, os oceanos infindos, e etcétera, e foi o que trocamos naquele exato primeiro dia...” Ela... “Quando?” Ela... “Ora quando... Eu estava enxarcada com minha blusa no bebedouro, e ela veio conversando com quem-não-lembro-quem. Tentava e tentava conseguir me livrar daquela armadilha, porque o treco lá era uma armadilha, com tantas pontas de ferro muito mal aparadas, enferrujadas, enfim, eu já estava toda molhada, presa com minha blusa lá, e o bico de metal espirrando e espirrando água... e ela riu horrores, não sei se de mim, ou se da amiga, mas riu bastante. Aquilo me subiu a cabeça, né, você sabe como eu sou assim, intolerante, zero, 0%, ai eu perguntei qual era o problema, e amiga disse que nada, e eu não tinha notado ela. Senão me engano era o seu primeiro dia... Bebi a água, enfim, graças, soltando minha blusa, e me encaminhei pro banheiro pra trocá-la, e vestir o uniforme tradicional. Fui bem rápida.... Saindo, fui para o canto do mural, onde havim um calendário desses de açougue, como ele foi parar na secretaria, só Deus sabe. Quando já tinha visto o que queria ver, me viriei, rapidinho, e esbarrei no ombro dela, ela e amiga ainda estavam lá resolvendo sei lá o quê, e aí que nos olhamos pela primeira vez...” Ela interrompe ela “mas e aí, como foi isso. O primeiro olhar! Diga-me!”. Ela manteve o mesmo tom... “Era o que eu dizia, bem, foi estranho, não sei.. Mas não é a mesma coisa você olhar uma pessoa que depois se revela importante pra sua vida, uma antagonista sua, mesmo, assim, pela primeira vez, e olhar a alguma pessoa que não terá relevância pra porra nenhuma, uma típica figurante mesmo. Nunca é igual, sabe. Tem algo lá, é sempre assim. E bem, eu olhei, e ela olhou, é daqueles momentos quevocê sente que alguém olhou de volta. É empatia, talvez.... Who cares. Então, ai foi assim...” Ela então, com queixo entreaberto, insiste. “Mas continue, responda me o que eu perguntei! Como era os assuntos, e tals?”. Ela... “Ah... é... Não tinha assunto!” Ela ri áspera, tosse leve novamente, e continua... “Não tinha nada, éramos completamente diferentes. Eu pensava coisas distintas. Eu sempre me danei pra essas merdas reliogosas, e ela era cheio de grilos, traumas, neuras, e blablablás do gênero. Lembro que eu puxei assunto da primeira vez, como sempre, sobre literatura, e ela empurrou a conversa pra frente, com a barriguinha com piercing n’umbigo, da mesma forma. Ela não gostava tanto dessas coisas, e eu amava, como até hoje amo, mas foi um ponto. E eu queiria insistir, não sei porque. Tirando isso, sei lá, tudo encaixava, sabe. O olhar, os risos... Arrrg...” Ela vira pro canto, cospe contra o cinzero vazio, enorme, aparentando mais uma bacia, e acrescenta: “E assim foi durante 3 anos, cada vez pior, cada vez mais rareando o sentido, praticamente só nos entendíamos na cama. Discussões, horas vazias, sem bons dias, maus dias, sempre sem reuniões familiares, afinal, a familia dela me odiava, assim como ela propria também, e aos poucos, cada vez mais. Mas é, ai um belo dia eu acabei com tudo. Fim. Satisfeita?”. Ela começa a ensaiar um esboço de sorriso nos lábios, enquanto suas palavras mesmo a atropelam jogando por cima de tudo...”Ah... Entendo. Entendo! Passei por tantas vezes por coisas parecidas... Mas no meu caso foi o inverso, entende?”
Ela faz gestos de quem não quer entender nada, se sentando na beira da cama e puxando o lençol contra o chão. Contudo, vira a cabeça, fita-a, diz uma palavra monossilábica incognicível, e faz sinal com as palpebras pra ela proseguir.
“Então.... foi no meio desses sites de relacionamento. É, isso... Eu vi lá algumas coisas sobre ela, e era tão engraçado, gostávamos mesmo de tudo, tudo igual. E ela era linda demais, não uma modelo perfeita, mas era realmente muito bonita. No ponto. Na medida, sabe? Se fosse perfeita demais me inibiria... E traria mais dores de cabeça. Mas enfim.. Ai tinhamos tudo a ver uma com a outra... Até o tal da porra do saco do gosto literário a gente compartilhava! Kafka, esses escrttores que todo cult diz que lê e entende, ela gostava, e, logo nos primeiros minutos de conversa, demonstrava que entendia mesmo! Sem ser aquelas ostentações retardadas pre-adolescentes! Isso me saciava profundamente. E passávamos horas conversando pela internet mesmo... E o problema foi que as coisas nem demoraram tanto. Ela me empurrou contra a parede. Eu, se hoje sou retraída, ainda que solta com relação a certos assuntos, como intelectualidades banais, eu era retraida sim com meus sentimentos... É...” Pára por uns instantes... depois continua... “Como disse, se sou assim hoje, imagine anos atrás... Aí ela as vezes me jogava indiretas diretas demais, e eu me coçava, me reprimia... pensando ‘caralho, porque fui começar com essa merda...’ Mas você sabe, né... Eram já 5 anos de solidão.Cinema sozinha, E tudo...” Ela interrompe rapidamente: “Mas você sempre foi de ter amigos. Nenhuma anti-social” E ela continua: “...Sim. Mas o SOZINHA que digo, é aquele.. sem uma mão pra segurar, sem um perfume alheio pra sentir mais de perto... Uma cabeça pra aconchegar... Fazia tempo, desde a última vez.” Ela faz um gesto de concordância, já menos contrariada, dando mais um sinal para ela prosseguir. “Então, eu sorri pra mim mesma, respirei fundo, e marquei logo pra nos vermos. E o primeiro dia, admito, me deixou otimista. Ainda que as coisas tenham ido rapido demais para o meu gosto pessoal, o primeiro encontro foi bem bacana... Conversamos horas sobre vanguardas modernistas, sobre cubismo, que ela adorava. E até mesmo sobre trivialidades! Eu e ela também éramos fãs inveteradas de Calvin & Haroldo! Bem, mas eu ainda sentia algo faltando. Ah... mas pensava que era frescura, da minha parte, eu idiota, eu ‘letárgica’, como você diz, e deixava as coisas seguirem em frente.” Ela coça a cabeça, se dirige ao cinzeiro. Depois ela, puxando um masso de cigarros, acendendo-o e puxando logo em seguida um trago, dirige seus olhos de encontro aos dela, fazendo novamente um gesto pra ela prosseguir. E ela o fez: “É... faltava algo. Mas eu enterrei minhas intuições, todas elas, sabe. E insisti. Chance potencial de desencalhar, entende...” E ela ri. “É... foi. Demorou 15 meses pra eu ver que eu estava certa desde o início...” Ela trazendo a tona mais uma vez o olhar de dúvida, interpola “O que Aconteceu?” Ela, agora reticente, e dando ares de arrependimento...”Você sabe... Aquilo. Foi horrível...” O silêncio se torna tão denso, que é possível ouvir, pela janela, cachorros se coçando do outro lado da rua. “Precisamos mesmo citar isso? Nem queria chegar a esse ponto. Era pra eu citar só vagamente. Vagamente...” E ela, compreensível diz: “Entendo... tudo bem. Você que começou... Eu só segui o fluxo...” E ela... “Sim, eu sei... Não é sua culpa... Deixa pra lá”. Ambas se levantam da cama, e vestindo as mesmas roupas, fitando o mesmo céu, nublado, dizem ao mesmo tempo: “O fato é que nada dá certo quando você insiste demais naquilo... Mas quando saber se é certo? Se é perfeito?” Após estabelicido o silêncio, insistente, vestem o casaco negro de couro, depois de já aderidos os outros trajes, atracam-se com os mesmos objetos em pulso, orelhas e pescoço, e suspiram pelo mesmo pulmão, fitando com os mesmos globos oculares – completamente vermelhos – um único rosto no espelho. E finalmente dizem para si mesmas... “Já sei... É simples até... Quando algo tornar o perfeito impossível de se realizar de fato...”
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Fotógrafo: Antônio Lança.www.olhares.com
É... De fato, faz sentido.
ReplyDeleteAdoro esse seu jeito de escrever. Adoro mesmo.