Era cor de mármore o brilho. Cortava a multidão, à velocidade do som, enquanto ele cortava os postes e as idosas passantes à velocidade de cágado. De passos, dos passos, contados, perdidos em conta, o ar se cortava em papel de seda. Fino, tanto quanto. À superficie, a face rabiscada, em assimétrica doçura. Dela lembrou-se, e àquela manhã de abafamento, de contentamento, de estrangulamento, estava por entre seus dedos. Gofava, dentre uma tosse e outra, minúsculos pedaços de vida. Fitava a "artéria" pulsante, ruborizada, no globo ocular. Fedia e babava sobre a testa, e então, a nuca, desta. Ao redor, nem sombras testemunhas, o juramento de silêncio, e já seriam 11 da manhã.
Era de cor amarelada o brilho. Cortava a multidão, à velocidade da luz, enquanto ele cozia os neurônios em banho maria, de pé, em Auschwitz, em hora, na hora certa que se distanciava da linha branca do acostamento. Chegara a chuva, e o a chuva de meteoros da galáxia Cygnus X-1 rasgavam o concreto e o asfalto. E a chuva ácida que derretia sua pele, fundida no azulejo do chão, extirpa aquela saudade, estripa a verdade quase romântica do sonho cumprido à risca, estrupa, ao meio dia e meio, o meio dia inteiro. Seu pânico: estava dentro de sua canção de rádio, ecoando-se pelas paredes.
Era cor, de si por si só. Cortava a multidão, à velocidade de gente manca, enquanto ela carregava o peso da vida no cocuruto torto. Ode a roupa suja, a sede rasgada, ao choro raquítico, murmurava melodias populares. Mas aquela paisagem era quase gótica, com seus cactus verde musgo, com suas caveiras roídas, com a cadela -que um dia fora baleia, mas agora nada mais era que uma sardinha moribunda, mortíça- e suas costelas viradas do avesso, com o camundongo quase morto atarrachado por entre os caninos. E meteoros cortam novamente o céu, rasgam a estrada de terra em 4, estraçalhando ela, a cadela, o que restava do rato, lá. Vêm telejornais, que trazem notícias, que saem pelas rádios, que saem pelas paredes, que cortam o ar à velocidade do som, que navalham à pele das pessoas à velocidade da luz, que abrem a bica lavando as mãos sujas de vermelho, que aparatam-se com curativos na partes onde a pele é derretida, que abrem e fecham buracos em terrenos baldios, que epilecticamente desfalecem em meio ao passeio público.
“Estamos aqui, à uma hora da tarde, direto da 13º DP, onde um homem, cujo nome ainda não foi divulgado, declarou-se culpado pelos três brutais assassinatos, que chocaram o país nessa última semana. Mesmo com seu advogado apresentando, e, inclusive, comprovando o álibi para os dois casos mais recentes - o homem estaria na cidade do Rio de Janeiro a semana toda, onde já havia sido indiciado pelo primeiro crime, ocorrido nesta terça-feira-, este afirma ser o algoz dos assassinatos cometidos, tanto em Belo Horizonte, na manhã dessa última quinta-feira, quanto em São Paulo, às 3 da tarde do mesmo dia.”
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